23
de fevereiro de 2013 | N° 17352
NILSON
SOUZA
Sala dos
adjetivos
O
homem da feira ecológica que frequento aos sábados, que sabe do meu ofício por
ouvir falar, me pergunta como é uma redação de jornal. Primeiro apelo para o
humor autodepreciativo:
–
Sabe um hospício?
Logo
percebo que ele não acha graça e também me dou conta de que não estou sendo
politicamente correto. Então, vou para a comparação.
– É
como esta feira. Temos as nossas bancas que chamamos de editorias, todas
interligadas para que o cliente saia satisfeito com o seu cesto de notícias
fresquinhas e de qualidade.
E
explico que repórteres, fotógrafos, redatores, revisores, editores e
diagramadores trabalham em grupos direcionados para áreas específicas, embora
todos sejam movidos pelo mesmo combustível do jornalismo. Conto que temos
editorias de Política, Economia, Esporte, Geral, Mundo, Variedades, Cultura,
Opinião, Fotografia, Arte, Diagramação e outros núcleos voltados para cadernos
e seções especiais. Como o homem não parece estar distinguindo banana de
berinjela, tento traduzir.
A
editoria de Política é uma espécie de garimpo da verdade – uma incessante e
laboriosa busca de quase inexistentes pedras preciosas em meio ao cascalho da
disputa pelo poder. A Economia lida com cifras e negócios, explica, por
exemplo, por que os preços da feira variam de sábado para sábado, pois seu
principal foco são as pessoas por trás dos números.
O
Esporte, como bem definiu um veterano da minha profissão, é a editoria da
paixão – onde se processa a alquimia diária de transformar o fanatismo em
objetividade. A Geral, já diz o nome, é como aqueles armazéns antigos de secos
e molhados – tem de tudo, faz tudo, e o freguês sai sempre satisfeito. Mundo,
vasto mundo, vai do asteroide ao Papa – e se ele se chamasse Raimundo seria uma
rima, jamais uma solução para os dilemas da religião. Arte, cinema, literatura
– tudo que alimenta o espírito e encanta a alma é tratado pelo pessoal do
Segundo Caderno e suas sucursais, sempre com requinte e elegância.
E
chegamos ao meu chão, que é a editoria de Opinião. Ocupamos, eu e meus colegas
de juntar letrinhas, a sala dos adjetivos – um depósito de munições gramaticais
que podem ser utilizadas para criticar, elogiar, reivindicar, defender e
acusar. Quanta responsabilidade!
Meus
colegas da Fotografia capturam imagens que valem por milhões de palavras,
produzem e editam vídeos que são verdadeiros curtas-metragens do cotidiano. Na
Arte, estão os artistas, ilustradores, chargistas e produtores de infográficos,
que facilitam o entendimento de qualquer complexidade. Os diagramadores botam
ordem na casa, juntam as peças do quebra-cabeça e dão um formato harmônico e
compreensível ao cesto de frutas, verduras e hortaliças do jornal impresso ou
virtual.
Em
meio a tudo isso, ainda há espaço para as sempre oportunas mensagens dos
leitores, para os engenhosos artigos dos colaboradores, para a infalível
previsão do tempo, para o saboroso almanaque do passado, para divertidos
quadrinhos, para os inteligentes colunistas e até mesmo para as generosas
biografias dos que já não mais as poderão ler.
A
Redação, senhor feirante, é como o seu universo de barracas interligadas – com
diligentes trabalhadores oferecendo fatos recém-colhidos para o atencioso
público.
Os
adjetivos, como pode ver, são a oferta do dia.
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