quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013



21 de fevereiro de 2013 | N° 17350
LETICIA WIERZCHOWSKI

Dois livraços

A minha biblioteca costuma guardar lugar de honra para os romances, mas, neste verão, picada por algum bichinho, curiosamente eu me pus a ler uma série de livros de memórias, e dois deles me emocionaram muitíssimo – A Lebre com Olhos de Âmbar (ed. Intrínseca) e Só Garotos (Cia. das Letras).

Edmund de Waal é um dos mais importantes ceramistas da atualidade, mas, em A Lebre com Olhos de Âmbar, ele mostra que tem talento – e quanto talento! – para moldar palavras também.

Ao herdar de seu tio-avô Iggie, que vivia em Tóquio, uma coleção de 264 netsuquês (miniaturas japonesas entalhadas em madeira e marfim), Edmund decide refazer o caminho das miniaturas que o tio lhe deixou e se empenha numa inacreditável e fantástica viagem pelo tempo por meio de três gerações da sua família paterna, os Ephrussi, os maiores exportadores de cereal do mundo, que deixaram Odessa no século 17 para espalharem-se pela Europa – Paris, Londres, Viena –, transformando-se num dos mais sólidos pilares financeiros da sua época, até que guerras e desenganos dilapidassem sua sorte e fortuna, seus sonhos e a sua fabulosa herança, da qual sobraria apenas essa coleção de miniaturas que viajaram pelo mundo até voltarem ao seu lugar de origem, o Japão.

Uma viagem que, nas mãos de Edmund de Waal, ganha a dimensão de uma fabulosa narrativa, uma verdadeira saga familiar, mais fantástica do que qualquer ficção.

Só Garotos foi escrito por Patti Smith, e a poeta e cantora americana dispensa maiores apresentações. Só Garotos não é, a priori, um livro de memórias.

É a história da relação amorosa entre Patti Smith e Robert Mapplethorpe (polêmico e talentoso fotógrafo que morreu de aids em 1989), a quem Patti prometeu, no leito de morte, escrever esse livro – e aqui, quando falo de relação amorosa, falo de uma coisa maior do que sexo, e houve sexo entre aqueles dois antes que Robert descobrisse seu desejo por outros homens, e Patti deixasse a sua cama sem nunca deixar de ser a sua musa e mais íntima amiga. Recém-chegada a Nova York, sem dinheiro nem endereço certo, Patti deu de cara com Robert, e esse encontro fortuito haveria de marcar o destino de ambos.

Só Garotos é como um sussurro, um relato íntimo e amoroso da história dessas criaturas irmãs, e é também a história da viagem que Patti Smith e Robert Mapplethorpe fizeram, do anonimato e da pobreza em Nova York, até o sucesso e a fama internacional. Um livro lindo e comovente que, sob o pano de fundo da cena cultural nova-iorquina dos anos 1960 e 1970, conta de uma relação de inesquecível cumplicidade.

Nenhum comentário: