09
de fevereiro de 2013 | N° 17338
NILSON
SOUZA
Vila
Liberdade
Porto
Alegre, que já é um nome lindo e emblemático, tem bairros e vilas com
denominações encantadoras. Só para ficarmos em alguns exemplos do meu olhar
cotidiano: passo todo dia pela entrada do Sétimo Céu quando saio da Tristeza,
sinto-me inclusive tentado a conhecer aquele lugar atraente, mas minha rotina
de zona-sulista me faz seguir na direção da Pedra Redonda, de Ipanema e do
Espírito Santo.
Todos
evocadores de sombra e água fresca. E basta uma breve consulta à memória
geográfica de minha cidade natal para que apareçam outros nomes verdadeiramente
sedutores: Praia de Belas, Chapéu do Sol, Cristal, Moinhos de Vento, além de jardins
de todos os tipos e santos de todas as preferências. Imaginação não nos falta
para batizarmos nossos recantos.
Mas
são as vilas da cidade que costumam adotar designações estranhas, irônicas e
significativas, até mesmo porque tais denominações invariavelmente contêm o
sentimento de seus habitantes e até recados para as autoridades.
Vamos
lá, ainda de cabeça, sem consulta aos registros da prefeitura: Cai Cai, Maria
Degolada, Chocolatão, Pirulito, Esperança, Divineia. Não somos, certamente,
originais nisso, todas as metrópoles nacionais têm vilas e bairros com nomes
exóticos, extraídos da criatividade do brasileirinho que não se entrega nunca,
ainda que enfrente miséria e descaso.
Pois
a Vila Liberdade, que virou vitrina da cidade depois da construção da Arena do
Grêmio, reúne todo o antagonismo do título bonito que não esconde a feiura da
situação de seus moradores. Depois do incêndio que destruiu mais de cem
casebres no mês passado, então, a Liberdade virou total Escravidão – pessoas
acampadas sob lonas pretas, no meio do lixo e do esgoto: crianças convivendo
com animais, gente desesperançada, doente e sem saída.
Um
homem com fome não é um homem livre – escreveu o escocês Robert Stevenson,
autor de O Médico e o Monstro, obra referencial do paradoxo humano. Pois homens
e mulheres sem teto, sem água encanada, sem condições mínimas de higiene,
segurança e saúde, e principalmente sem oportunidades para progredir, também
não podem ser considerados livres, ainda que habitem um lugar simbolicamente
chamado de Vila Liberdade.
Li
em algum lugar que a prefeitura planeja construir casas mais dignas para os
desabrigados do incêndio. Ótimo, tomara que a burocracia não retarde esta
providência necessária e urgente. Mas o ideal é que não precisássemos de
sinistros para olharmos para os demais casebres que não estão na vitrina,
ocultos nos desvãos da cidade sob denominações tão criativas quanto
denunciadoras de sua condição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário