19
de fevereiro de 2013 | N° 17348
CLÁUDIO
MORENO
Sísifo agora
sabe
Embora
fosse um simples mortal, Sísifo, rei de Corinto, foi o personagem mais astuto
da mitologia grega, capaz de enredar os próprios deuses em suas tramas; alguns,
inclusive, dão-no como o verdadeiro pai de Ulisses, o que explicaria a
inteligência excepcional do herói da Odisseia. Sua fama, porém, não decorre
dessas qualidades, mas, curiosamente, pelo castigo que o Olimpo lhe impôs por
suas artimanhas.
Seu
grande erro foi sentir-se sempre superior aos deuses. A lição veio de modo
exemplar: quando morreu, foi condenado a um castigo especialmente terrível,
assim descrito por Homero no Canto XI da Odisseia: “Seus dois braços levantam
uma pedra gigantesca; então, com as mãos, e também com os pés, ele tenta
empurrá-la em direção ao alto de uma colina, mas sempre que se aproxima do
topo, o peso da pedra vence suas forças e ela rola de volta à planície.
Ele,
porém, com os músculos retesados, com o corpo banhado em suor, com a cabeça
envolta numa nuvem de poeira, começa a empurrá-la de volta” – para todo o
sempre.
Este
homem, condenado eternamente a carregar a rocha do cotidiano, logo se
transformou, para muitos filósofos e escritores, na perfeita imagem de uma vida
que perdeu todo o sentido.
Para
os que ainda compartilham os sonhos utópicos de uma religião ou de uma
ideologia (neste quesito, muito parecidas), a promessa de um futuro excepcional
mascara o fardo do presente e ajuda a suportá-lo. E aos outros – como o
verdadeiro Sísifo, aliás –, o que resta? Como encarar, a cada dia, o recomeço
deste suplício, cuja finalidade nos escapa?
Alguém
sugeriu que imaginássemos que um dos deuses, misericordioso, tivesse informado
a Sísifo que aquele trabalho era próprio do ser humano, quer gostasse ou não; a
partir desse momento, mesmo contrariado, empurrar aquela pedra até o alto da
colina passaria a ter sentido para ele.
Ao
impor, portanto, esta tarefa como castigo, Zeus estaria dando a Sísifo
exatamente o que ele sabia ser a sua missão neste mundo, fazendo-o encontrar,
ao menos, um pouco de satisfação em algo que, para os outros, poderia ser
insuportável.
É
importante notar que esta suposição não muda em nada o quadro descrito acima
por Homero. A mesma cena vai se repetir diante de nossos olhos; a diferença
fundamental é que Sísifo, por saber o que deve fazer, está agora envolvido
naquilo que está fazendo.
O
trabalho é o mesmo, a força exigida para realizá-la é a mesma, a ausência de
resultados significativos é a mesma, mas mudou a cabeça e, com ela, mudou tudo.
Ele aceita agora, junto com a vida, a tarefa de suportar o rochedo da humana
condição.
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