02
de fevereiro de 2013 | N° 17331
EDITORIAIS
ZH
ELEIÇÃO
CONSTRANGEDORA
A
política tem a virtude de corrigir injustiças e promover reabilitações, mas
apresenta também sua outra face mais sombria quando a imagem recuperada é o que
existe de pior em qualquer democracia. É o que se configura com a eleição do
senador Renan Calheiros para a presidência do Senado.
Calheiros
é uma figura que não deveria ter, pelo histórico como político, uma nova chance
de comandar a mais alta casa legislativa do país. É absurda a situação em que o
novo presidente da Casa poderá ser, ao mesmo tempo, seu gestor e réu em
processo baseado em denúncias que o procurador-geral da República encaminhou ao
Supremo, nas quais o senador alagoano é acusado dos crimes de falsidade
ideológica, peculato e uso de documentos falsos.
Os
senadores elegeram Calheiros, apesar do anunciado constrangimento que
enfrentariam. Esperava-se, após o julgamento do mensalão, que o Congresso
adotasse algumas providências no sentido de moralizar suas atividades. Não há
como esperar mudança de atitude com a decisão tomada ontem, quando Calheiros
obteve ampla maioria para assumir a presidência.
Lembremos
que o senador já desempenhou o cargo, ao qual foi obrigado a renunciar em 2007,
depois de denúncias feitas pela imprensa de que recebia mesadas de uma
empreiteira para pagar a pensão alimentícia de uma filha. Calheiros ainda
tentou se defender, alegando que ganhara muito dinheiro com lucros fantásticos
na venda de gado, mas foi obrigado a desistir. As notas fiscais do tal negócio
eram frias, como consta da denúncia do procurador-geral encaminhada ao STF.
Mesmo
assim, o político conseguiu ser reeleito, em 2010, e agora foi consagrado pelos
próprios colegas. Obteve 56 votos, derrotando com facilidade Pedro Taques
(PDT-MT). A estratégia que o reconduziu à presidência é a repetição de práticas
condenáveis da política.
Calheiros
distribuiu cargos, para obter apoios, mas esse clientelismo não basta para
explicar o que ocorreu ontem. O novo presidente tem a admiração e a
solidariedade de quase todos os partidos – ou não teria obtido votação tão
expressiva –, porque sempre assumiu posições corporativas em defesa de colegas
sob investigação. Foi assim que contribuiu de forma decisiva para que a CPI do
Cachoeira, que investigava o bicheiro, se transformasse numa sindicância tão
confusa, que não resultou em nada.
Calheiros
é a expressão de todas as mazelas da política. Foi eleito e, é claro, tem o
direito de exercer seu mandato. Foi escolhido ontem para a liderança da Casa e
será empossado. Mas não há como aceitar sem questionamentos o fato de que teve
o apoio maciço dos colegas, apesar de todas as denúncias que pesam contra ele.
Por esse ato, o Congresso poderá, ainda este ano, enfrentar uma situação ainda
mais complexa do que a provocada pelas condenações do mensalão.
Calheiros,
se condenado pelo Supremo, poderá ser julgado pelo próprio Legislativo que o
transformou em líder. Estaremos, mais uma vez, diante da vergonha de ver o
Senado, e não só seu presidente, sendo julgado por seus atos.
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