02
de fevereiro de 2013 | N° 17331
CLÁUDIA
LAITANO
Mais sorte que
juízo
Ao
dizer que os frequentadores de casas noturnas no Brasil têm “mais sorte que
juízo”, o subcomandante do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major
Gérson da Rosa Pereira, acabou cunhando a frase que sintetiza o tipo de
comportamento que causou, direta ou indiretamente, o desastre do último
domingo. Mais do que isso: major Gérson expressou, inadvertidamente, uma
verdade íntima nacional – um sentimento que todo brasileiro, em maior ou menor
intensidade, já terá sentido alguma vez na vida, ou irá sentir.
Trata-se
de uma espécie de modus operandi da nação. “Mais sorte que juízo” poderia
substituir o “Ordem e Progresso” na bandeira e em todos os símbolos nacionais.
Podia estar estampado nas notas de real, na entrada de hospitais e escolas, nos
tribunais, em outdoors nas estradas, na letra do hino: “Onde te falta o tento/
O lábaro ostentas estrelado”.
Sorte
é o que não nos falta mesmo. Não precisamos nos preocupar com terremotos, o que
nos livra da chateação de planejar prédios que resistem a tremores de terra. No
auge do inverno, o frio jamais é acompanhado daquelas inconvenientes
tempestades de neve que dão trabalho e exigem organização.
Temos
sorte porque ondas terríveis não arrebentam as nossas praias e porque o sol
brilha quase o ano todo. Países solares costumam ser povoados por gente que não
se deprime por qualquer coisa e que se acredita abençoada por morar em um lugar
onde tudo o que se planta cresce e floresce.
O
problema com a sorte é que ela não é infalível. Ninguém se responsabiliza pelo
seu fornecimento regular e não temos de quem cobrar quando ela nos falta. É por
isso que muitos países não tão afortunados quanto o nosso aprenderam a contar
menos com a sorte do que com o juízo – que nada mais é do que tudo aquilo que
podemos providenciar para não dependermos unicamente dos humores do acaso. O
juízo, porém, não vem apenas de cima para baixo, na forma de leis muito boas,
mas que ninguém respeita. Se o juízo não é prezado por todos, acaba valendo
tanto quanto um trevo de quatro folhas na mão de quem não tem sorte.
Talvez
por isso não foi apenas comoção o que se viu no Brasil nos últimos dias: foi
pânico. O incêndio em Santa Maria assustou o país porque todos sabem que a
irresponsabilidade dos donos daquela boate e daquelas autoridades que deveriam
fiscalizá-la não é uma exceção, mas a regra – e não apenas em casas noturnas.
Vivemos
em um país em que não podemos confiar em edifícios aparentemente sólidos, em
parques de diversão aparentemente seguros, em hospitais aparentemente bem
equipados, em creches com piscina, em motoristas – e em quem deveria nos proteger.
Somos como um personagem de videogame desviando de arapucas em série: pisos que
desaparecem, pontes que pegam fogo, tetos que desabam. Às vezes, temos sorte,
mas nem sempre.
E,
enquanto apenas a sorte nos parecer o bastante, o som de celulares tocando
sobre o corpo de meninos e meninas que podiam ser nossos filhos – que eram
nossos filhos – vai continuar nos assombrando. Como um lamento dilacerante, mas
também como um pedido de explicações.
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