DANUZA
LEÃO
Pondo os pingos nos
is
Não
me lembro de alguém citar o repórter que descobriu Bispo do Rosário, mas eu sei
quem ele foi
A
Bienal de São Paulo deste ano vai ter Arthur Bispo do Rosário como sua estrela
maior, e ele merece. É fundamental ver o que ele fez e se comover com a beleza
da obra desse singular personagem, marinheiro em sua juventude.
Um
dia, a partir de uma alucinação, Bispo se acreditou enviado de Deus, razão que
o levou a ser internado na Colônia Juliano Moreira, um depósito de loucos,
lugar onde as pessoas entravam e só saiam depois de mortos. Lá ficou durante 50
anos, sendo que parte deles encerrado dentro de uma pequena cela, de onde se
recusava a sair.
Foi
nessa cela que Bispo começou a trabalhar com tudo que encontrava: tirava fios
de camisas e lençóis, um por um, para costurar, usava palha de vassouras de
piaçava, botões, colheres, canecas, pentes, tampas de garrafa, objetos
hospitalares e toda a sucata disponível e com isso produzia objetos insólitos;
em suas mãos tudo virava arte, seus estandartes eram comoventes, mas nada foi
mais grandioso que o "Manto da Apresentação".
Nesse
manto, que bordou durante 30 anos, ele catalogou o mundo, bordando nomes de
pessoas, artistas, cantores, países, acontecimentos, faixas de misses,
retratando tudo o que ele lembrava ou ouvia falar que existia; tudo o que ele
fazia era perturbador. Esse manto foi feito para ser usado no momento em que o
mundo se encontraria com o Todo Poderoso, e que seria seu grande encontro com
Deus.
Chamado
de "o senhor do labirinto", Bispo tinha seu universo particular,
alucinado e delirante, mas sempre com algo de sagrado. Suas obras, que foram
expostas na Bienal de Veneza, devem ser vistas com muita atenção, lembrando das
circunstâncias e condições em que foram criadas.
Há
muitos anos vi uma exposição dele no Rio, numa pequena sala num 15º andar, se
não me engano da Caixa Econômica, e que não fez nenhum sucesso. Ele ainda não
era famoso, mas eu tinha minhas razões para ir vê-la, e vou contar.
Num
domingo de 1980, eu estava em casa, quando me telefonou um jovem repórter da TV
Globo dizendo, em tom urgente e excitado, que eu não podia deixar de ver o
"Fantástico" naquela noite.
Ele
havia ido fazer uma matéria para expor as terríveis condições dos internos da
Colônia Juliano Moreira, e como era muito curioso, como todo bom repórter, foi
fuçando tudo, até que viu uma cela escura; entrou e encontrou um estranho
homem, sozinho, cercado de panos bordados e objetos sem nenhum significado
aparente.
Ele
entrou e conseguiu dialogar com o homem (que você já adivinhou ser Bispo do
Rosário). Rolou uma simpatia, e Bispo não só mostrou tudo o que vinha fazendo
havia sete anos, sem sair da cela nem um só dia, como também contou de onde
tirava o material, e como fazia suas obras, o que deu uma matéria inacreditável
no "Fantástico"; foi depois desse programa que Bispo do Rosário
surgiu para o mundo.
A
partir daí a classe artística o descobriu, suas obras foram expostas em museus,
galerias, e livros escritos sobre sua pessoa. Livros que ele provavelmente não
entenderia, se lesse.
Um
ser tão extraordinário como Bispo do Rosário seria descoberto mais dia menos
dia, imagino. Ou não; e se algum servente do hospital resolvesse fazer uma
faxina em sua cela antes da matéria aparecer na TV, e jogasse tudo que
encontrasse num lixão?
Nunca
vamos ter resposta para isso, e não me lembro de jamais ter ouvido alguém citar
o nome desse repórter, o primeiro a vislumbrar a importância de Arthur Bispo do
Rosário, mas eu sei quem ele foi.
Seu
nome era Samuel Wainer Filho, e ele era meu filho.
danuza.leao@uol.com.br
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