DANUZA
LEÃO
Certa pobreza
A
pobreza urbana é agressiva; são mulheres com uma criança no colo, duas pela mão
Outro
dia tive que ir ao centro da cidade, onde não ia havia anos. Conheci esse
centro quando ainda era criança e tinha chegado do Espirito Santo para viver no
Rio. Na zona sul não havia lojas, ainda não existiam as butiques, e uma vez por
semana ia com minha mãe ao centro.
Era
onde se faziam compras, desde as mais banais, até as mais importantes, que na época
era um par de sapatos ou o tecido para fazer um vestido. Não existiam vestidos
prontos, e cada família tinha sua costureira. Comprava-se o figurino (revista
de moda), a costureira dizia de quantos metros precisava, fazia-se uma prova, e
um dia chegava um embrulho de papel cor de rosa, fechado com alfinetes -o durex
ainda não tinha sido inventado-, trazendo o vestido.
Era
uma emoção ir ao centro, onde havia um comércio que me parecia o luxo dos luxos.
Havia até lojas que vendiam casacos de pele, e imagino que fazia frio no Rio
para usar peles -devia fazer-, pois as vitrines das lojas Canadá e Sibéria
mostravam as mais lindas.
Depois
das compras, um lanche na Colombo, e a volta para casa de bonde. Era um dia
completo, de total felicidade. Foi lá que pela primeira vez tomei um sundae e
comi uma coxinha de galinha; em Vitória não existiam essas coisas chiques.
O
mundo mudou, há anos não ia ao centro, mas tive que ir, semana passada. Passei
pelas mesmas ruas e me deu uma tristeza tão grande que era melhor não ter ido.
Fui
parar no largo da Carioca; é um largo, como diz a palavra, onde hoje as lojas são
barraquinhas, e havia uma que, para animar, tocava um som bem alto. Das músicas,
nem vou falar. Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de pessoas que
circulava por ali. Eram muitas e todas, absolutamente todas, muito pobres.
Em
qualquer bairro do Rio existe gente pobre, mas não tantas assim, nem tão pobres.
Era uma miséria absoluta, que se via nas roupas, nos sapatos -a maioria com uma
sandália havaiana já bem usada- e nos rostos. Muitas lanchonetes pela rua, e
numa delas o cartaz: "Arroz, feijão e batata frita por R$ 10,50".
Fiquei
pensando nos pobres do Nordeste, que se veem na televisão e em alguns filmes
brasileiros; eles moram em casebres com chão de terra batida, sempre muito bem
varrido. E têm uma dignidade; não sei bem de onde ela vem, mas ela existe. Talvez
por terem um pedacinho de chão só deles, talvez.
A
pobreza urbana é agressiva; são mulheres com uma criança no colo, duas pela mão,
levadas pelas mães porque não têm com quem ficar, adolescentes de short e
camiseta que devem ser a única roupa que têm. Ninguém pedia esmola, todos
estavam ali fazendo alguma coisa, trabalhando, encarando um bico qualquer,
talvez de ambulante, talvez de ajudante de camelô.
E
notei que apesar dessa miséria tão evidente, tão dramática -essas pessoas não
pertenciam, seguramente, à tão falada classe C-, quase todas as mulheres, e as
crianças que iam junto, tinham as unhas dos pés pintadas de esmalte colorido.
E me
ocorreu que talvez seja esta a única fantasia a que têm direito.
danuza.leao@uol.com.br
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