03
de junho de 2012 | N° 17089
VERISSIMO
Avôs
Fila
de banco. Dois senhores com ar distinto, um atrás do outro. Os dois
engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota um desenho colorido nas
costas da mão do senhor da frente e pergunta:
–
Neto?
–
Neta – diz o outro.
– Eu
também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão.
–
Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas
vou discutir com ela?
– A
minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário.
–
Não aceitam críticas.
– No
outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não
quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul,
eu não estava vendo?
–
Elas ficam bravas.
–
Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para
tirar a tinta?
–
Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte.
– A
sua pinta, o seu rosto também?
–
Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei
estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe
dela.
– A
minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na
ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que
eu nunca mais lave o rosto.
–
Não é formidável?
– É
fantástico.
–
Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que
minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo
em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era
para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram
jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só,
ainda tem um resto de tinta aqui...
–
Elas são maravilhosas...
–
Mas depois crescem.
–
Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato...
– Eu
me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar
a mão do vovô?”
– É
. “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”.
–
Vamos ter que pedir por favor.
– E
elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas...
– A
verdade é que ser avô dura muito pouco.
–
Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que
desbote.
–
Como uma pintura na mão.
–
Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre.
–
Vou lá. Muito prazer, viu?
–
Prazer.
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