LUIZ
FELIPE PONDÉ
A paranoia bullying
O
Estado invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação de
controle absoluto da vida
Entro
em sala de aula várias vezes na semana. Daí vem muito do que penso acerca dos
modismos perniciosos que assolam o mundo da educação.
E daí
também vem o fato de que, apesar de ser pessimista (nada tem de chique no
pessimismo, apenas para quem não o conhece por dentro e o confunde com um
estilo melancólico de se vestir), não desisto da vida e vou morar no bosque de "Walden"
(ou algo semelhante), como fez o filósofo americano Thoreau no século 19.
Hoje
vou comentar um caso específico de moda que em breve provavelmente vai destruir
qualquer liberdade e espontaneidade na sala de aula: a "paranoia bullying".
Se
atentarmos para o que o Ministério Público prepara como controle da vida
escolar "interna", veremos, mais uma vez, a face do totalitarismo via
hiperatividade do poder jurídico.
Ao
invés de atacar o que deve ser atacado (o lixo que é a escola no Brasil, porque
o Estado arrecada impostos como um dragão faminto, mas não dá nada em troca), o
Estado e seu braço armado, o governo socialista que temos há décadas, que adora
papos-furados como cotas raciais e bijuterias semelhantes, invade o espaço
institucional do cotidiano escolar com sua vocação maior e eterna: o controle
absoluto da vida nos seus detalhes mais íntimos.
E
ninguém parece enxergar isso, muito menos a pedagogia e sua vocação, nos últimos
anos, para livros bobos da moda e palestrantes de autoajuda.
Quando
ouço alguma "autoridade pública em bullying", sinto que estou diante
de um inquisidor, que, como todos, sempre se acha representantes do "bem".
Seria
de bom uso dar aulas de história dos perfis psicológicos dos grandes
inquisidores, como Torquemada e Bernard de Gui, para essas "autoridades públicas"
em invasão da vida íntima das pessoas e das instituições. Eles descobririam sua
ascendência direta do grande inquisidor de Dostoiévski ("Irmãos Karamazov").
Em
breve, a melhor solução para o professor será a indiferença preventiva para com
os alunos. Melhor uma aula burocrática e avaliações burocráticas do tipo "múltipla
escolha" ou "diga se é falso ou verdadeiro", mesmo nas
universidades, porque assim o aluno não poderá acusar o professor de "desumanidade"
ao reprová-lo, ou pior, acusá-lo de bullying porque desconsiderou sua "cultura
de ignorante", mas que "merece respeito assim como Shakespeare".
Os "recursos"
contra reprovação logo se transformarão em processos contra "bullying
intelectual". E os fascistas do controle jurídico da vida terão orgasmos.
Atitudes
como estas destroem a autoridade da instituição, dos profissionais que nela
trabalham e transformam todos em reféns da "máquina jurídica". O
resultado é que família e escola perdem autonomia. O que este novo coronelismo
não entende é que existe um risco inerente ao convívio escolar e que as
autoridades imediatas, professores e coordenadores é que devem agir, e não polícia
ou juízes.
Na
minha vida como aluno em universidade tive duas experiências com dois
professores que hoje poderiam ser enquadradas facilmente neste papinho de "tratamento
desumano", mas que foram essenciais na minha vida profissional e pessoal.
A
primeira, quando era um aluno da medicina na Universidade Federal da Bahia,
ocorreu no dia em que perguntei a um professor como um paciente terminal via o
fato de que ele ia em direção ao nada. Ele disse: "O senhor está na aula
errada, deveria estar na aula de filosofia".
Isso,
numa faculdade de medicina, significa mais ou menos que você não tem a natureza
forte o bastante para encarar a vida como ela é.
A
segunda, já na faculdade de filosofia da USP, aconteceu quando um professor me
deu zero e disse para procurá-lo. Ao me ver, no meio da secretaria e na frente
de vários funcionários e alunos, ele disparou: "Suas ideias são ótimas,
seu português é um lixo".
Em
vez de preparar a polícia para prender bandidos que assaltam casas e
restaurantes aos montes, o governo prefere brincar com essas bijuterias,
fingindo que cumpre sua função de garantir a segurança pública. Será que isso é
medo de enfrentar os criminosos de verdade?
ponde.folha@uol.com.br
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