13
de junho de 2012 | N° 17099
MARTHA
MEDEIROS
Passe adiante
Tenho
vários DVDs de shows, e houve uma época em que assistia a eles atenta, ou então
deixava rodando como som ambiente enquanto fazia outras coisas pela casa. Até que
os esqueci de vez.
Conhecedor
do meu acervo, meu irmão outro dia pediu: posso pegar emprestado uns shows aí da
tua coleção? Claro! Ele escolheu quatro e levou com ele. E subitamente me deu
uma vontade incontrolável de voltar a assistir àqueles shows. Aqueles quatro, não
é estranho?
Logo
a vontade passou, mas fiquei com o alerta na cabeça. Me lembrei de uma amiga
que uma vez disse que havia comprado um vestido que nunca usara, ele seguia
pendurado no guarda-roupa.
Um
dia ela me mostrou o tal vestido e intimou: “Pega pra ti, me faz esse favor. Jamais
vou usar”. Trouxe-o para casa. Muito tempo depois, ela me confidenciou, às
gargalhadas, que não havia dormido aquela noite. Passou a ver o vestido com
outros olhos. Por que ela não dera uma chance a ele?
Maldita
sensação de posse, que faz com que a gente continue apegada ao que deixou de
ser relevante. Incluindo relacionamentos.
Uma
outra amiga vivia reclamando do namorado, dizia que eles não tinham mais nada
em comum e que ela estava pronta para partir para outra. E por que não partia? “Porque
não quero deixá-lo dando sopa por aí.” Como é que é?
Ela
não terminava com o cara porque não queria que ele tivesse outra namorada,
dizia que não suportaria. Reconhecia a mesquinhez da sua atitude, mas, depois
de tantos anos juntos, ela ainda não se sentia preparada para admitir que ele não
seria mais dela.
DVDs,
roupas, amores: claro que não é tudo a mesma coisa, mas o apego irracional se
parece. É a velha e surrada história de só darmos valor àquilo que perdemos. Será
que existe solução para essa neura? Atribuir ao nosso egoísmo latente talvez
seja simplista demais, porém não encontro outra justificativa que explique essa
necessidade de “ter” o que já nem levamos mais em consideração.
É preciso
abrir espaço. Limpar a papelada das gavetas, doar sapatos e bolsas que estão
mofando, passar adiante livros que jamais iremos abrir. É uma forma de perder
peso e convidar a tão almejada “vida nova” para assumir o posto que lhe é devido.
Fácil? Bref. Um pedaço da nossa história vai embora junto. Somos feitos – também
– de ingressos de shows, recortes de jornal, fotos de formatura, bilhetes de
amor.
Isso
sem falar no medo de não reconhecermos a nós mesmos quando o futuro chegar, de
não ter lá na frente emoções tão ricas nos aguardando, de a nostalgia vir a ser
mais potente do que a tal “vida nova”.
Qual
é a garantia? Um ano para geladeiras, três anos para carros 0km, cinco anos
para apartamentos. Pra vida, não tem. É se desapegar e ver no que dá, ou ficar
velando para sempre os cadáveres das vontades que passaram.
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