26 de junho de 2012 | N° 17112
DAVID COIMBRA
Os
vira-casacas
Numa manhã do inverno de 1932, Santos Dumont
caminhou até o armário do hotel em que estava vivendo, na Praia de Santos,
tirou duas gravatas da gaveta e, com elas nas mãos, dirigiu-se para o banheiro.
Atou uma gravata à outra. Subiu num banquinho. Amarrou uma ponta da corda
improvisada ao cano do chuveiro. Enfiou o laço no pescoço. E saltou para a
morte.
Foi esse o fim do chamado “pai da aviação” e
não um “colapso cardíaco”, como se noticiou na época. Isso se deu em 1932, em
meio à Revolução Constitucionalista. Conta-se que, na noite anterior ao
suicídio, Santos Dumont deprimiu-se ao ouvir o ronco dos aviões que voavam
sobre o hotel rumo a São Paulo, com o objetivo de bombardear a capital. Dumont
se entristecera com a maneira como os homens estavam usando a sua invenção –
para a guerra, não para a paz.
Sempre achei estranha essa explicação para o
suicídio do “brasileiro voador”, como o classificou Márcio Souza em um bom
romance dos anos 80. Afinal, quando ele se matou já fazia um bom tempo que o
avião era usado para a paz. A Varig, inclusive, contava com cinco anos de
existência.
Mas outro episódio da história da aviação e da
história do futebol reunidas prova que os aparelhos voadores não eram tão
comuns assim nos céus brasileiros. Aconteceu em Porto Alegre, terra da pioneira
Varig, em 1935, três anos após a morte de Dumont.
Grêmio e Inter disputavam um renhido Gre-Nal
pelo famoso “Campeonato Farroupilha”. O Inter vencia por 1 a 0. O
ponta-esquerda Castilho, do Grêmio, estava com a bola de couro entre os pés.
Então, um teco-teco assomou no céu da Avenida Silveiro, de onde se erguia o
Estádio dos Eucaliptos e hoje há só lembrança.
Tratava-se de uma novidade tão espantosa um
avião aparecer por ali que o goleiro Penha e os zagueiros Natal e Risada, ou
seja, toda a defesa do Inter levantou a cabeça para admirar o pássaro de prata.
O atacante Castilho, porém, talvez fosse um homem mais acostumado com as novas
tecnologias, porque ele não deu atenção ao avião. Ao contrário: mirou no gol
desguarnecido e chutou. Empatou o jogo, que, empatado, escorreu até o fim.
Esse clássico tornou-se conhecido como o
“Gre-Nal do Avião”.
Depois desse gol único na história do futebol
mundial em todos os tempos, curiosamente, Castilho não foi mais visto na cidade
e em parte alguma. Só reapareceu no ano seguinte... no Inter! Aí o mistério se
desfez: os dirigentes colorados seduziram Castilho com promessas de contos de
réis à mancheia, e ele mudou-se da Baixada para os Eucaliptos.
Castilho foi um dos poucos casos de apostasia
direta de um jogador da Dupla. Em geral, eles saem de um clube, passam uma quarentena
purificadora em um terceiro e só depois é que trocam de trincheira. Se for
confirmada a transferência reta de Sandro Silva do Inter para o Grêmio,
portanto, estaremos diante de uma raridade.
Batista fez isso, nos anos 80, tempo da Lei do
Passe: saiu do Inter e foi para o Grêmio. O Inter não quis renovar com ele, o
Grêmio foi lá, depositou um milhão na Federação e o levou para o Olímpico. E
Batista, mesmo acusado de trânsfuga pelos colorados, foi importante para a
campanha do Grêmio rumo ao campeonato mundial.
Mais ou menos por aquele tempo, ocorreu outro
caso ilustrativo neste âmbito, só que pelo lado reverso. Iúra, o “Passarinho”,
era uma espécie de símbolo de jogador identificado com o Grêmio. Lembro dele
caindo de joelhos em meio a um Gre-Nal e socando a grama de raiva porque o juiz
não havia marcado um pênalti a favor do Grêmio.
Lembro dele dando uma voadora com os dois pés
no peito de Falcão. Iúra perdia três quilos por jogo, de tanto que corria de
intermediária a intermediária, suando pelo Tricolor. Era um bravo. No fim da
carreira, transferiu-se para o Criciúma. Foi de lá que o Inter o buscou. Iúra
faria provavelmente o melhor contrato da sua vida, no que seria um golpe duro
para o Grêmio.
Os dirigentes colorados o receberam
festivamente no Beira-Rio. Momentos antes da assinatura do contrato,
apresentaram-lhe a camisa vermelha a fim de que posasse para as fotos. Iúra
tomou-a nas mãos. Fez menção de enfiá-la pela cabeça. E desistiu. Devolveu a
camisa aos dirigentes, com um constrangido pedido de desculpas, e emendou:
– Não consigo vestir essa camisa.
Hoje é conselheiro do Grêmio. Nelson Rodrigues
dizia que o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro. Nem sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário