sexta-feira, 29 de junho de 2012



29 de junho de 2012 | N° 17115
DAVID COIMBRA

Enriquecer é glorioso

Depois que Mao morreu, no fim dos anos 70, seu sucessor, Deng Xiaoping, pronunciou uma frase que mudaria o mundo:

“Enriquecer é glorioso”.

Essa sentença foi mais do que a liberação dos chineses para o capitalismo. Trata-se de um conceito comportamental. Uma filosofia. Uma ideia próxima da lógica calvinista, que prega que o rico é rico porque merece, porque recebeu as bênçãos do Senhor devido à sua bondade. No caso chinês, o Senhor é substituído pelo Estado, e o melhor: um Estado comunista.

Se enriquecer é glorioso, não existe culpa no enriquecimento. Exatamente o contrário do que se pensa aqui, do lado de baixo do Equador. Para a América católica em peso, enriquecer é quase vergonhoso. Em vez do princípio calvinista, exalta-se a advertência de Jesus de que “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”.

O rico, para a América católica, é sempre suspeito de algum ilícito. Porque a civilização de origem ideológica judaico-cristã, ao contrário da chinesa, ceva-se na culpa. O que leva ao Reino dos Céus é o jejum, o sacrifício e a dor, nunca a alegria e a fortuna. O homem sofre agora para obter a recompensa mais tarde, no Além.

Assim, as soluções da América católica para atenuar o padecimento deste mundo em geral são de subtração, não de soma. Os culpados pela vida precária dos que não têm, obviamente, são os que têm. Lugo caiu, no Paraguai, porque queria tirar dos brasiguaios o que eles têm. Lugo identificou nos brasiguaios as razões dos males dos paraguaios.

Estive no Paraguai, em algumas coberturas jornalísticas. Conheci alguns desses brasiguaios. São pessoas que foram para o Paraguai há décadas, que lá tiveram filhos, que lá moram, trabalham e consomem. Não são estrangeiros usurpadores.

Não sei se a derrubada de Lugo será boa ou ruim para o Paraguai, não tenho certeza de ter sido legítima, mas sei que sua verdadeira causa, o assaque aos brasiguaios, vem precisamente desse conceito latino-americano de que existe culpa na fortuna. Onde está o Mal? Está nos grandes, nos poderosos, nos ricos. A solução, portanto, está em tirar deles. Você não cria riqueza, você divide a riqueza.

Para o governante da América católica, o que há é o que existe. Está posto. Pronto. É impossível fazer algo maior a partir do que já foi realizado. A riqueza das nações não pode ser aumentada. Muito menos a dos indivíduos. Afinal, tornar as pessoas ricas seria uma demasia. Seria suspeito, e jamais, jamais!, glorioso.

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