16
de junho de 2012 | N° 17102
CLÁUDIA
LAITANO
Monet e o HD
“É como
ver o mundo pela primeira vez em HD”, ela me disse, saindo da óptica com o
primeiro par de óculos sobre o nariz e um horizonte de possibilidades
subitamente estendido a sua frente.
Comecei
a usar óculos ainda mais cedo do que a minha filha, que tem 13 anos, mas lembro
bem da sensação de descobrir uma nitidez na paisagem que eu nem sequer
suspeitava que fosse possível: linhas borradas virando retas, manchas difusas
revelando-se formas e até o chão parecendo ocupar outra distância em relação ao
corpo, obrigando o míope recém-corrigido a aprender a caminhar alinhando-se a
uma nova perspectiva.
Sim,
é como ver tudo pela primeira vez – e a imagem em HD é a metáfora tecnológica
que os míopes esperaram durante todos esses anos, ou pelo menos desde que as
lentes foram inventadas.
Hoje,
muitas pessoas têm em casa a chance de comparar uma boa imagem com uma imagem
perfeita. É só trocar o canal, e a novela das oito ganha novos contornos. A
mulher bonita continua bonita, mas já não é perfeita – e a mulher perfeita, ou
quase, salta da dela como uma deusa em meio aos mortais. Aparecem as rugas, as
manchas na pele, o desalinho do cabelo.
É como
se toda aquela gente agrupada com o único e inescapável objetivo de iludir
tivesse perdido um dos seus principais truques: o de encenar uma versão mais
caprichada do real, onde os poros não aparecem e as pequenas imperfeições
podiam ser cobertas com uma simples camada de maquiagem comum. A tecnologia do
disfarce foi menos ágil do que a tecnologia da multiplicação dos pixels, e o
Olimpo das estrelas de TV tornou-se um pouco menos divino aos olhos comuns.
Diante
da possibilidade de escolher entre a imagem perfeita do HD e a imagem comum a
que estávamos acostumados, não é de todo improvável que muitos espectadores
acabem optando pela versão com menos qualidade – por mais paradoxal que isso
possa parecer.
Às
vezes, vê melhor quem enxerga um pouco menos e imagina um pouco mais. Ou talvez
essa seja apenas a lógica a que nós, os míopes, estamos acostumados, habitando
desde sempre um mundo em que eventualmente somos obrigados a preencher certas
imagens com a imaginação ou o puro chute.
Quis
a natureza que o momento em que a minha filha adolescente, corrigindo uma leve
miopia, passasse a ver o mundo em HD coincidisse com o momento em que eu começo
a enxergar menos. Como os míopes têm a vantagem de nunca perderem a visão do
que está bem próximo, cada vez mais tenho optado por não corrigir a miopia o
tempo todo.
Resulta
que o que está bem perto continua nítido e límpido – livros, páginas de jornal,
o rosto das pessoas mais queridas – enquanto o que está longe se perde na
mancha borrada da indefinição. Sim, eu poderia usar um multifocal ou ficar
botando e tirando os óculos, mas, por enquanto, estou preferindo olhar o mundo
distante como quem admira um quadro de Monet: aproveitando a visão do conjunto
sem sofrer muito com a perda dos detalhes. E tem sido como voltar a ver o mundo
como ele sempre foi.
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