sexta-feira, 29 de junho de 2012


Jaime Cimenti

Epopeia às avessas num clássico de Lobo Antunes

António Lobo Antunes sempre rivalizou, e ainda rivaliza,  com José Saramago na cena da literatura de língua portuguesa. Quem é o maior, o melhor? Saramago levou o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e Lobo Antunes segue forte candidato. Ele nasceu em 1942 em Lisboa e é formado em Medicina com especialização em Psiquiatria.

Serviu como médico do Exército português em Angola nos últimos anos da guerra naquele país, entre 1970 e 1973. Autor de obra extensa, de repercussão mundial, Lobo Antunes já recebeu prêmios literários importantíssimos, como o Camões, em 2007, e o Juan Rulfo, em 2008.

Os cus de Judas; Memória de Elefante e O meu nome é Legião são algumas de suas obras mais conhecidas e editadas no Brasil pela Objetiva/Alfaguara, mesma casa editorial que editou no Brasil o romance As naus, que vem sendo considerado um clássico na obra de Lobo Antunes e um dos livros mais originais da ficção contemporânea.

Na narrativa magistral, o autor subverte as formas narrativas tradicionais, sobrepõe tempos e figuras históricas para narrar o retorno dos heróis e navegadores portugueses a Lisboa (denominada Lixboa na narrativa).

Em plenos anos 1970, desiludidos com o fim da malfadada colonização africana, Pedro Álvares Cabral, Luis de Camões, Diogo Cão, Vasco da Gama e até Miguel de Cervantes retornam a Portugal na forma de pessoas comuns, com seus vícios e fraquezas, numa espécie de epopeia às avessas.

O escritor literalmente vira a História de cabeça para baixo e mostra uma visão inédita sobre a colonização e a descolonização. Antunes reconta as vidas dos heróis na África, com enfoques diferentes em todos os sentidos das versões consagradas, e os coloca, ao longo da vigorosa narrativa, como jogadores de cartas, beberrões e aproveitadores.

Passado e presente no consciente português, conflitos e dilemas da sociedade portuguesa, colonização e descolonização e outras questões estão na ficção elaborada de Lobo Antunes. As desventuras trágicas, por vezes burlescas, dos “heróis” narradas de modo inovador, como foi feito por Lobo Antunes, revelam a imensa originalidade da obra e mostram que As naus realmente merece lugar de destaque na obra do escritor que ganhou, há muito, justo reconhecimento mundial.

O domínio narrativo e a criatividade de linguagem do autor são atributos que todos conhecem e que exemplificam a força da literatura de Portugal das últimas décadas. Alfaguara, 182 páginas.

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