MARCELO COELHO
Gente
fina é outra coisa
Seria, a meu ver, um grande passo para a reforma política
se, ao lado da Ficha Limpa, viesse a Lei Grecin
EIS UMA boa notícia na pré-campanha para a Prefeitura de São
Paulo. O candidato José Serra vai dar um tempo na clássica combinação calça
bege e camisa azul.
É o que informou a Folha deste domingo. Entram os jeans, a
camisa branca e -lance ousado- os sapatênis. Há também novidades nos óculos,
mais atualizados.
Na verdade, o antigo visual tucano me parecia adequado ao
candidato; alguma dose de risco existe na mudança. Mas por que não?
O estímulo para isso, do ponto de vista político, vem do
marketing do adversário, Fernando Haddad. Com poucos eleitores a conhecê-lo, o
petista se apresenta como "homem novo para um tempo novo".
Nada mais velho, aliás, do que falar em tempos novos para
uma cidade que, a cada dia que passa, sai menos do lugar.
Não importa -o aspecto visual é tudo na política hoje em dia.
Por isso mesmo está nas livrarias o "Guia de Estilo para Candidatos ao
Poder - E para Quem Já Chegou Lá".
É uma publicação da editora Senac e tem três autores: Luci
Molina, jornalista que já fez um livro em companhia de Lila Covas, Milla
Mathias, advogada e consultora de estilo, e Sergio Kobayashi, que "coordenou
diversas campanhas" desde 1984. Vejo na internet que ele foi assessor de Mário
Covas (1930-2001).
O gênero "tucano fino" é recomendado, de forma
geral, ao longo do livro, embora não faltem elogios à transformação visual
operada por Duda Mendonça em Lula. O caso Maluf, outro sucesso do marqueteiro,
foi omitido. Evidentemente, não interessa aos autores do livro glorificar a
farsa, a mentira, a empulhação eleitoral pura e simples.
Torne-se a coisa mais agradável, contudo, e já será um
progresso. O terno verde dos candidatos nanicos, enunciando sílaba por sílaba o
que leem nos "teleprompters", seria assim aposentado com proveito.
Terno? Os autores me corrigem. Paletó e calça do mesmo
tecido atendem pelo nome de "costume". Terno, como a palavra indica,
exige uma terceira peça, o colete.
Essa é fácil. Mas desafio o mais elegante político a
distinguir entre os diversos tipos de sapato exemplificados no livro. Quando
deixar de lado o "barcroft" e usar o "derby"? Saiba que o "full
brogue" só pode ser usado em ocasiões informais. É, digamos assim, o contrário
do "monkstrap".
Perto dessa sofisticação, outras dicas do livro parecem
deslocadas. Por exemplo, a de evitar meias cobrindo as canelas quando se usa
bermuda.
Há omissões. Posso estar enganado, mas não vi nenhum anátema
contra pintar o cabelo. Seria, a meu ver, um grande passo para a reforma política
se, ao lado da Ficha Limpa, viesse a Lei Grecin, tornando inelegíveis os usuários
do produto. Outra omissão: os autores apontam o erro de usar cinto e suspensório
ao mesmo tempo -mas nesse ponto valeria ser mais radical. Suspensórios deveriam
ser evitados "tout court".
Tiveram sua moda durante alguma bolha do mercado financeiro
aí por 1990, mas a desconfiança que inspiram só é comparável, a meu ver, àquela
provocada pela gravata clara com camisa escura.
O livro acerta nesse ponto: a opção "resulta num visual
de mafioso". Não é isso o que queremos, certamente. Afinal, diz o primeiro
parágrafo, "a sociedade nos toma por aquilo que parecemos ser". Uma
vez que "os políticos são eleitos pela imagem que transmitem",
continuam os autores, "é dever deles aprimorá-la".
Por que não? Mas será possível? Temo que o costume
perfeitamente combinado, com sapatos pretos (o livro restringe o uso do marrom)
e a gravata discreta, não se diferencie muito, aos olhos de parcela da população,
do visual mafioso abominado pelos consultores de estilo.
Seria então melhor mudar de roupa o tempo todo? Esquecer o
paletó e chegar ao extremo da camiseta regata? Ninguém ousaria chegar a tanto. Quem
sabe aquelas camisetas que os jogadores mostravam no final das partidas, com
mensagens evangélicas ou familiares, fossem a melhor inovação.
Escreveriam seus slogans, de preferência em inglês: "Change!",
"yes, we can", "young candidate", e sua eficácia
comunicativa cresceria bastante. Um simples "agora vai!", dependendo
do caso, daria conta do recado. Uma última recomendação dos autores merece ser
lembrada. "Se quando você se sentar, o bolso abrir demais, está na hora de
comprar uma calça um ou dois números maior". Vai que alguma coisa cai lá de
dentro.
coelhofsp@uol.com.br
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