25 de junho de 2012 | N° 17111
KLEDIR RAMIL
Diário
de bordo – mensagem na garrafa
Esqueci de contar que, no meio do desespero, depois de
alguns dias à deriva, resolvi escrever um bilhete e jogar no mar, dentro de uma
garrafa de cerveja vazia. Na lancha, havia uma caneta, providencial. O problema
era encontrar onde escrever. É numa hora dessas que a gente dá valor a uma
simples folha de papel, aliás, uma das grandes invenções da humanidade.
Meti a mão no bolso e encontrei uma conta telefônica, que
casualmente havia ficado na bermuda. Tentei lembrar se havia sido paga, o que
não fazia a menor diferença. O que importava é que era um pedaço de papel com
algum espaço em branco, entre ligações interurbanas e várias chamadas para um
celular na Paraíba. Só pode ser coisa da Deia, preciso lembrar de descontar do
salário dela.
Comecei a rascunhar mentalmente o texto que nos salvaria
daquela situação absurda, eu e meu companheiro tocador de pandeiro. Quando fui
passar a limpo o pedido de socorro, me dei conta de que a possibilidade daquela
garrafa ser encontrada era mínima. E, mesmo que viesse a ser encontrada e fosse
providenciado um resgate relâmpago, já me encontrariam mais duro do que o
Leonardo DiCaprio no filme Titanic.
Já que o destino conspirava contra, decidi fazer poesia, que
é a arte daqueles que já vivem em outro mundo. O que mais eu poderia fazer? Um
texto técnico, tentando informar coordenadas que eu não conhecia? A posição das
estrelas no céu? As únicas estrelas que consigo identificar na imensidão
noturna do universo são as Três Marias. E, mesmo assim, sempre fico em dúvida –
às vezes, elas são quatro.
Enfim, já sem nenhuma perspectiva de ser lido e muito menos
salvo, rabisquei na conta telefônica: “Beleza cósmica / que astrolábios!”.
Enfiei esse delírio literário dentro da garrafa vazia e tampei com um pedaço de
isopor. Ato contínuo, em atitude solene, como se estivesse realizando uma
performance artística, joguei a “obra” ao mar, enquanto me passava pela cabeça
que Camões havia nadado em oceano aberto com uma mão só, pois, na outra, levava
intactos os originais de Os Lusíadas. Ou será lenda?
Duas semanas depois de encerrada essa aventura
inacreditável, de volta ao aconchego do lar, tentando me recuperar do trauma,
tocou o telefone:
– Olhe! Desculpe ligar a cobrar... É Raimunda, de
Maxaranguape, Rio Grande do Norte. Encontrei aqui uma garrafa com uma conta
telefônica...
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