19
de junho de 2012 | N° 17105
DAVID
COIMBRA
A matança dos gatos pretos
Houve
um momento em que o papa Gregório IX decidiu eliminar os gatos pretos do mundo.
Isso se deu na primeira metade do século 13. Desde que assumira o papado, Gregório
preocupava-se com a renitência das crenças não cristãs na Europa. Para resolver
esse pio problema, o papa nomeou o frei Conrado de Marburgo como primeiro chefe
da Inquisição, com poderes para varrer a heresia do Continente, nem que fosse
matando e torturando em nome do Senhor.
Esse
Conrado de Marburgo era um homem feroz, um fanático, que muito provavelmente
sentia prazer em contemplar a dor do próximo. Saiu pela Europa prendendo
mulheres, crianças e homens acusados de bruxaria. Levava-os para calabouços
quase tão ruins quanto o Presídio Central de Porto Alegre e os submetia a
torturas selvagens. Vi no Museu da Tortura, de Praga, alguns dos instrumentos
empregados pelos inquisidores. Havia um equipamento chamado “pata de gato” que
servia para raspar a pele do suposto herético.
Outro
que lhe rompia os tendões de todo o corpo. Outro que lhe quebrava os ossos
meticulosamente. Mais um que o empalava. Esses argumentos da religião do amor
acabavam por convencer o preso a confessar tudo o que havia feito, e o que não
havia feito também, e outras coisas que outras pessoas haviam feito e que não
haviam feito. Depois disso, ele alcançava o alívio queimando vivo na fogueira
purificadora.
Não
era difícil ser acusado de bruxaria. Bastava ser meio estranho, como são 57%
das pessoas que conheço. A imagem que ficou eternizada da bruxa como uma velha
encurvada vem desta época, porque Conrado adorava prender as velhinhas sob a
acusação de que se refocilavam com o próprio Lucífer, a fim de conceber bebês
mefistofélicos, como o que Rosemary teve nos anos 70, no Edifício Dakota.
O
fato é que ninguém estava a salvo de ser acusado de bruxaria. Tanto que até os
gatos pagaram o pato, para ficar numa metáfora animal. Os inquisidores passaram
a capturar gatos pretos, prendê-los dentro de cestos e jogá-los na fogueira em
que ardiam seus donos. Gatos, imagine.
A caça
às bruxas é assim. Você começa culpando o presidente, depois o técnico, o
diretor de futebol, o goleiro, o centroavante, o meia e termina queimando o
gato. Nada pior, para resolver um problema, do que começar uma caça às bruxas.
Um
tempo que já se foi
Você
não vai acreditar, mas houve um tempo em que os meias tinham de saber fazer gol.
Um 8 ou um 10, se não fosse goleador, sofria insuperáveis restrições. Então,
para ficar na Dupla, quem jogava por ali era um Neca, um Tadeu Ricci (foto), um
Escurinho, um Ruben Paz.
Isso
significa que havia dois meias marcando gol, mais dois pontas, mais um
centroavante. Cinco, no total. O time do Grêmio campeão do mundo tinha Renato,
Tarciso, Caio, Paulo César Caju e Osvaldo, mais Mário Sérgio. Qualquer um
desses sabia o que fazer quando estava na frente do goleiro. Hoje, se um time
tem sorte, conta com dois jogadores que marcam gol. Se tem sorte.
O
que quero dizer é que entendo o Luxemburgo no momento em que ele escala
Miralles, Kleber e Moreno no mesmo time. A ideia é aumentar o número de
jogadores que fazem gol, já que é de gol que ele precisa na quinta-feira. Mas
Miralles e Kleber tinham de se movimentar mais, para que desse certo Tinham de
participar mais do jogo, tinham de ser como os velhos meias goleadores. Não
funcionou. Assim, o Grêmio depende do improvável, na quinta. O que, se não é impossível,
decerto que é raro.
A
nova Alemanha
Eu,
o meu time no Velho Continente é a Alemanha. Não porque meu avô era alemão,
nada disso. É que admiro a capacidade que os alemães têm de refletir sobre os
próprios erros, se reerguer sempre e ir em frente. A maior qualidade dos alemães
é que eles nunca param de aprender. Quem para de aprender, envelhece.
Olhe
para a seleção alemã na Eurocopa: é a própria juventude de camisa branca e calção
preto. É uma Alemanha renovada, miscigenada, multirracial, sem preconceitos. A
Alemanha, como prova a economia, é mais uma vez a força da Europa.
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