FERREIRA
GULLAR
A noite
estrelada
Diante
da tela em branco, tudo é possível e, por isso, nada é possível, a menos que se
atreva a começá-la
Quando,
em 1890, Vincent van Gogh (1853-1890) se dispôs a pintar uma noite estrelada e
se pôs diante da tela em branco, nada ali indicava por onde começar. Mas
acordara, naquele dia, decidido a inventar uma noite delirantemente estrelada,
como imaginava frequentemente e não se atrevia a fazê-lo não se sabe se por
temer errar a mão e pôr a perder o sonho ou se porque preferia guardá-lo como
uma possibilidade encantadora, uma esperança que o mantinha vivo.
Aliás,
já tentara antes expressar na tela seu fascínio pelo céu constelado. Um ano
antes, pintara duas telas em que fixava a beleza do céu noturno -uma dessas telas
mostra a entrada de um café com mesas na calçada e, ao fundo, no alto, o céu
negro ponteado de estrelas; a outra tela é uma paisagem campestre sob as
estrelas. Mas eram como ensaios, tentativas de aproximação do tema que
continuava a exigir dele a expressão plena, ou melhor, extrema, como era
próprio de sua personalidade passional.
Para
alguns, possivelmente, a mesma personalidade que o impelira, dez anos antes,
numa noite de Natal, a decepar a própria orelha e levá-la de presente a uma
prostituta do prostíbulo que costumava frequentar. Por que fez isso, não há uma
explicação plausível, embora haja muitas, desde a de sentir-se abandonado pelo
irmão Theo, que preferia passar aquela noite de Natal com a noiva, até a de
punir-se pelo ódio que alimentava contra sua mãe. Mas num ponto todos parecem
concordar: só um louco seria capaz de mutilar-se daquela maneira.
Pode
ser, mas Vincent van Gogh era uma personalidade difícil de explicar. Tenho
dúvida quanto ao diagnóstico que o dá como louco. Sabem por quê? É que as
pinturas feitas por artistas ditos loucos -como, por exemplo, Emygdio de Barros
ou Fernando Diniz- mostram uma carga de subjetividade, uma estranheza (para não
dizer anormalidade) que os quadros de Van Gogh não têm.
Pelo
contrário, afora a sua primeira fase, marcada por uma espécie de realismo
soturno, as demais, que dariam origem décadas mais tarde ao expressionismo, são
de uma limpidez cromática incomparável. Refletem lucidez saudável, e não doença
mental. A verdade, porém, é que, segundo consta, certo dia ele quase se
envenenou ao espremer bisnagas de tinta dentro da boca. E, no final das contas,
deu um tiro no peito e acabou com a vida.
Concordo.
Muito bom da cabeça ele não era, mas um pintor genial ele foi, sem dúvida. E
uma de suas obras-primas é, certamente, aquela "Noite Estrelada" de
1889.
Imagino
o momento em que se dispôs a pintá-la: tem diante de si a tela em branco e pode
ser que esteja ao ar livre em plena noite, com velas acesas presas ao chapéu.
Mas a noite real é pouca. A noite que deseja pintar é outra, mais bela e mais
feérica que a real. Por isso, a tela em branco à sua frente é um abismo. Um
abismo de possibilidades infinitas, já que a noite que deseja pintar não
existe, mas deveria existir, pois o seu sonho a deseja.
Como
começar a pintá-la, se ela não existe? Diante da tela em branco, tudo é
possível e, por isso mesmo, nada é possível, a menos que se atreva a começá-la.
E assim, num impulso, lança a primeira pincelada que, embora imprevista, reduz
a probabilidade infinita do vazio e dá começo à obra -ou seja, transforma o
acaso em necessidade.
E
assim foi que a sucessão de pinceladas, de linhas e cores, aos poucos definiu
uma paisagem noturna que era mais céu que terra: um pinheiro que liga o chão ao
céu e, lá adiante, a pequena vila sobre a qual uma avassaladora tormenta
cósmica se estende, como se assistíssemos ao nascer do Universo.
POSTOS
DE GASOLINA
O
governador Sérgio Cabral, que muito tem acertado, erra ao decidir fechar os
postos de gasolina da avenida Atlântica. Eles são de grande utilidade aos
moradores e à população em geral e em nada interferem na beleza da avenida, que
tem quase quatro quilômetros de comprimento. Sem eles, restarão às pessoas que
ali abastecem seus veículos apenas dois postos, um em cada extremo do bairro: o
da rua Francisco Otaviano e o da praça Cardeal Arco Verde.
Este,
por ser pequeno, provocará engarrafamentos na entrada da rua Tonelero,
principal acesso à lagoa Rodrigo de Freitas. É uma decisão que não traz
benefício a ninguém, só prejuízos.
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