17
de junho de 2012 | N° 17103QUASE PERFEITO |
Fabrício
Carpinejar & Cínthya Verri
"Casal
Quase Perfeito! Eu bati nele. Sem culpa e com vontade. Há um mês ele me traiu. Após
uma briga, ele teve a coragem de dormir com a ex. Tivemos todos os tipos de
conversas (da ira, das lágrimas, dos por quê?, dos perdões) e tantas outras
para não cairmos no abismo que se abriu entre nós. Perdoei, hoje vejo que de
boca e não de coração. Na primeira briga, não pensei duas vezes e lhe dei dois
belos tapas, na verdade três, poderiam ser quatro. Ele deixou, como se
merecesse tudo aquilo. Os dois ainda dizem que se amam, agora cada um com a sua
mágoa. E ai vem a pergunta: tem conserto?
Um
abraço, Jaqueline"
Coração da boca para fora
Querida
Jaqueline!
Quando
a mulher bate no homem é um estado extremo, o derradeiro estágio da violência
emocional. Vem depois de esgotar as mediações da discussão, o choro e o
entendimento.
Uma
mulher unicamente bate no homem para avisar que nunca vai perdoá-lo.
Você
não deseja desculpá-lo, não admite desculpá-lo. Já deixou de ser uma desavença
amorosa, é um trauma: uma lembrança repetida à exaustão e da qual não cansará de
buscar detalhes e minúcias.
É uma
recordação que será sempre nova por mais antiga que seja, que voltará a
aparecer em qualquer dúvida, medo e impasse amoroso.
Não
vai se enjoar da infidelidade que ele cometeu ainda que saiba o que aconteceu
ou como aconteceu ou porque ele se permitiu levar pelo impulso. É uma ferida
sem corpo. Um sangramento sem começo.
Havia
uma rixa terrível entre vocês duas. Recaída com a ex é mais violenta agressão à
estima feminina. É uma punhalada na vaidade do relacionamento. Um soco no porta-retrato.
Se
fosse qualquer outra, uma garota desconhecida, um caso involuntário, acho que
faria as pazes, admitiria o tropeço, lavaria os pratos e seguiria em frente. Mas
ex é intragável, sobrevoa a residência com astúcia de corvo: disponível,
falsamente compreensiva e pronta a reconciliações súbitas.
Nem é
raiva que abateu sobre você, é tristeza. Ele converteu sua cama numa fria e
rancorosa catacumba. É como se ele traficasse a intimidade de vocês com o mundo
dos mortos.
O
dolorido do processo é se enxergar menor do que o passado, pior do que aquilo
que já houve. Além da sensação incômoda de não dispor de tranquilidade para
brigar e ficar separada. É se distanciar 24 horas que ele já procurou o consolo
no colo da rival.
Não
tem conserto. Formou-se uma total desconfiança, um forte preconceito.
O
homem também só aceita apanhar de uma mulher quando ele não merece perdão.
Abraço
com todo o carinho,
Fabrício
Carpinejar
Querida
Jaqueline!
Afirma
que deu tapas sem culpa. Mas bateu nele porque acredita na culpa. Não só acredita
que ela existe como afirma que é dele: o causador de todo o sofrimento. Mas
culpa é coisa que não existe: todos erramos.
Na
relação, não importa quem põe a bola em jogo, é responsabilidade dos dois
sempre.
Está
sempre aberto o convite para abandonar o ganha-perde e para assumir que tudo o
que se faz é também para si mesmo. Esse é o segredo central para viver bem.
Machucá-lo
não conserta as coisas. Humilhar não fecha o parêntese. Surrar não dignifica a
mulher. O fato dele haver aceitado o baque indica apenas a falta de melhor
ideia. Não confunda choque com inferioridade.
Já que
decidiu tentar, abandone o drama. Esqueça o moralismo da traição. Oficialmente,
ele dormiu com a ex outras vezes, não foi mesmo? Muito antes de sua existência.
Se esse pensamento não servir, ora, invente a lógica que for necessária e
agarre-se a ela. Faça uma equação conveniente e pague tudo com a moeda do
desejo de estar junto.
Eu
digo isso porque já estão próximos outra vez. Sendo assim, teu pedido me indica
que precisa de ajuda para engolir a mágoa. Essa ajuda quem dá é o tempo, se você
permitir.
Esquecer
é muito de nossa autoria, tanto quanto lembrar. É preciso assumir essa força
para dentro.
Querida
Jaqueline, eu vejo que você não tem um problema com isso que aconteceu: já escolheu
ficar com ele. Sua dificuldade é moral, uma ferida na sua opinião. Está surpresa
por descobrir que continua amando mesmo diante do impensado.
Há mais
coragem para desbravar do que supunha. Se restava dúvidas sobre o sentimento
que tinham, agora não precisa mais delas. Tudo saiu fora do plano. Há espaço
afinal para criar uma vida a dois mais verdadeira.
Amar
é dançar conforme a surpresa e desistir da hipocrisia. Não é como a gente
esperava. Ainda bem.
Beijos
meus,
Cínthya
Verri
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