20
de junho de 2012 | N° 17106
MARTHA
MEDEIROS
Nada é
suficiente
Geralmente,
quando uma peça está completando sua primeira hora de duração, as pessoas
começam a se movimentar na cadeira, numa linguagem corporal que avisa: tempo
esgotado. Já fizemos nossa parte, viemos ao teatro, então, por gentileza, não
abusem da nossa paciência, que estamos com fome e queremos jantar. Pois quem
assiste a A Primeira Vista, com Drica Moraes e Mariana Lima, além de não se
inquietar na cadeira, tem vontade de perguntar assim que o espetáculo termina:
“Já?”.
Eu,
pelo menos, lamentei não ficar até meia-noite assistindo a essas duas incríveis
atrizes num levíssimo exercício de atuação que envolve tudo o que mais prezo na
vida: a simplicidade, o bom humor, o afeto e a poesia – não necessariamente o
poema em verso, mas o olhar poético que deveríamos resgatar todos os dias para
viver com menos embrutecimento e mais ternura.
Falou
em leveza, falou em bom humor: ah, só pode ser abobrinha. Longe disso. A peça,
a que assisti cerca de um mês atrás no Rio (e que estará em Porto Alegre no
próximo fim de semana e em Pelotas na terça, 26), é sofisticada em sua
economia, refina os sentidos e faz um convite à reflexão: “Nada é suficiente”.
É a frase que norteia o texto do canadense Daniel MacIvor : “Nada é suficiente”.
Que leitura você faz disso?
Que
nada nos serve? Que queremos sempre mais? Para muitas pessoas, é assim. Elas
mantêm a angústia da perseguição. Nem sabem o que estão perseguindo, só sabem
que não conseguem se satisfazer com o que têm.
Pois
a frase pode ser lida de outro modo: o nada basta. Não precisamos de tanta
racionalização, de tantos planos, de intermináveis discursos e indiscrições
para ocupar nosso vazio. O nada é o silêncio. O nada é o sentimento pelo
sentimento. O nada é a contemplação da natureza. O nada é a paz. Essa paz que
tanto desejamos, sem saber o que fazer com ela quando a alcançamos.
Cada
um entende a frase conforme o momento que está vivendo. Mesmo reconhecendo que
a segunda leitura é meio odara para estes tempos frenéticos, é com ela que ando
comungando atualmente. Menos blá-blá-blá, mais ukelelê – o instrumento usado
pelos havaianos cujo som é quase infantil e que tem na peça sua função
enternecedora. Uma vida unplugged, não é um sonho?
Pra
mim, foi. Foi um sonho ver duas atrizes afinadíssimas entre si, dirigidas pelo
competente Enrique Diaz e extremamente bem iluminadas – em todos os sentidos.
Drica e Mariana simplesmente interpretam a inutilidade de ficarmos
interpretando tudo. Genial.
Aliás,
melhor mesmo nem interpretar a atitude do Lula ao se aliar com o Maluf para
garantir 1min35seg a mais de propaganda eleitoral na TV. Decência, dignidade,
tudo escorrendo pelo ralo, e o Brasil mais uma vez tendo que assistir ao pior
tipo de teatro, esse horror show da nossa política.
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