12
de junho de 2012 | 3h 07
Arnaldo
Jabor
O cinema atual não quer ideias
na cabeça
Tenho
visto muitos filmes de ação. Vou ao cinema com meu filho de 12 anos e já sou um
entendido nas missões impossíveis, nas porradas, nas cidades destruídas, nas
armas assassinas. Quando estou no cinema, tudo me parece perfeito, de uma eficácia
absoluta, como se estivesse dentro de uma máquina de sensações programadas.
Sou
levado a um mergulho em suspense, em medo, em prazeres sádicos, tudo narrado em
uma tempestade de 'planos' curtos, nunca mais longos do que quatro segundos, ao
som de orquestras sinfônicas plagiando Beethoven ou Ravel para cenas românticas
e Stravinski para violência e guerras, pois não há um só minuto sem música,
tudo montado para não desgrudarmos os olhos da tela.
Antigamente,
os filmes 'comerciais' ou de ação apelavam para alguma comoção humana das
plateias, histórias em que o 'bem' era recompensado, em que chorávamos ou ríamos
desde o Gordo e o Magro até Hitchcock.
Hoje,
passamos por uma maratona de emoções incessantes que nos exaurem como se fôssemos
personagens daqueles mundos em 3D, de pedras e balas que nos voam na cara,
atravessando túneis de ressonâncias visuais e sonoras que nos fazem em pedaços
espalhados pela sala, junto com os copos de Coca-Cola e sacos de pipocas. Somos
pipocas desses filmes. No entanto, quando saio do cinema, caio num grande vazio
nas ruas barulhentas, feias e terríveis, onde tudo parece irreal.
Esses
filmes são de uma eficácia assustadora, como seus heróis. Os roteiros são
feitos em programas de computador especiais que não deixam respiros para o
espectador. É preciso encher cada buraco, para que nada se infiltre na atenção
absoluta. Os efeitos especiais são mais importantes que os conflitos psicológicos.
Não importa o enredo; só o gozo da cena. O filme de ação busca na violência e
nos desastres a mesma visibilidade total do filme pornô.
É uma
nova dramaturgia de Hollywood: a estética do videogame, onde a personagem
principal não é mais o "outro", mas nós mesmos, com o joystick na mão
e nenhuma ideia na cabeça. Cresce uma cultura da incultura, a profundidade do
superficial, a rapidez do julgamento, num mundo feito de fugazes e-mails,
celulares tocando, corridas sem fim, vidas sem "roteiro".
Está
fora de moda um filme para ser visto, refletido, com choro, risos, vida. O
desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de nossas cabeças.
A ação na tela é incessante, o conflito é permanente, de modo a impedir o
espectador de ver seus conflitos internos.
Ao
contrário das obras comunas ou nazistas, que vendiam um "futuro", um
paraíso soviético ou um Reich de Mil Anos, os EUA vendem o "presente".
Americano não tem futuro. Só um enorme presente prático, feito de objetos e
gadgets, serviços e sentimentos redentores.
Por
outro lado, nada é parte de um "complô" para nos "lavar o cérebro",
nada disso. Não é uma propaganda consciente. Não há Comitê Central nem CIA, por
trás. Os americanos são um produto deles mesmos, acreditam no que dizem. A
sinceridade é sua arma total. O verdadeiro cinema político é o filme americano.
Logo
depois da Guerra Fria, os filmes mostravam uma América em "frenética lua
de mel" consigo mesma. Os Estados Unidos eram o país da "cultura da
certeza". A ideia de 'paraíso americano' era a perfeição do funcionamento.
Com o fim da Guerra Fria, os americanos ficaram meio desamparados, sem inimigos
reais.
Cultura
paranoica não gosta disso. Com o 11 de Setembro, junto com as torres, caíram
também a arrogância e o orgulho da eficiência. Deprimiram por uns anos, mas,
retomaram a trajetória do mito americano e, assim como estão reconstruindo as
torres gêmeas, voltaram a fazer filmes para reabilitar o herói americano, tão
humilhado na horrenda era Bush.
Antigamente,
sofríamos durante a trama, esperando que os heróis ou amantes fossem felizes no
fim. Hoje, sabemos que tudo vai acabar bem, mas nos fascinam mais os infernos
que eles terão de atravessar, para chegar a um desfecho fatalmente bom.
A
catarse chegará, mas antes temos amputações, temos bazucas estourando peitos,
bombas e vemos que, mais importantes que as personagens, são as "coisas"
em volta. Sim, as coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor. E o
décor é um grande showroom dos produtos americanos, que são as verdadeiras
personagens: maravilhosos aviões, os supercomputadores, a genialidade tecnológica.
Neste neocinema épico século 21, as personagens não fogem de um conflito; fogem
dos produtos.
E
pior: não adianta se refugiar na arte. O cinema de autor ficou mirrado diante
de tanta homérica violência. A arte pressupõe uma imperfeição qualquer, uma
fragilidade que evoca a natureza perdida; a arte inclui a morte ou o medo,
mesmo no triunfo das estátuas perfeitas.
A
destruição que vemos na vida, a sordidez mercantil, a estupidez no poder, o
fanatismo do terror, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de
bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O mal é tão profundo
que denunciá-lo ficou inútil. Pela influência insopitável do avanço técnico da
informação, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público
as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores.
Em
suma, toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de 'cultura' que,
ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e
nela influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência. Na
arte atual, não há vestígios de esperança. Vivemos diante de um futuro que não
chega e de um presente que nos foge sem parar. Isso nos faz saudosos do
presente como se ele fosse um passado.
Uma
espantosa nova linguagem surgiu e cresce como um 'transformer' nas telas do
mundo. E talvez, daqui para a frente, só essa língua aliviará um pouco nossa
solidão, saciará nossa fome de ilusão. Só em filmes brutos e desumanos teremos
o consolo do esquecimento.
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