01
de julho de 2012 | N° 17117
VERISSIMO
Caneleiras
O
futebolzinho dos sábados no sítio dos Limeira tinha começado como apenas um
pretexto para reunir os amigos. Como um prelúdio para banhos de piscina e
depois um churrasquinho. Nunca mais do que 12 amigos com mulheres e filhos.
Enquanto as mulheres conversavam e os filhos brincavam, os homens jogavam
futebol. Valendo nada, valendo apenas boas risadas e algumas escoriações antes
das primeiras caipirinhas.
Com
o tempo a coisa começou a mudar. O grupo de convidados aumentou, e os times
também. Os homens passaram a levar o jogo a sério. O futebolzinho para abrir o
apetite virou futebol mesmo, muitas vezes – nos casos de prorrogação e decisão
por pênaltis, por exemplo – atrasando o almoço, sob protestos das mulheres.
A
transformação culminou no dia em que o dono do sítio, o Neco Limeira, entrou em
campo de chuteira e caneleira. A caneleira foi uma espécie de sinal: dali em
diante não era mais divertimento. Com caneleiras não eram mais amigos, eram
adversários. No sábado seguinte quase todos apareceram com caneleiras.
Julinha
Limeira, a mulher do Neco, não gostou da transformação. Num sábado ela chegou a
ver 33 homens no gramado da sua casa, o bastante para formarem três times e
fazerem um torneio, com turno e returno, que só terminou ao anoitecer.
Nem
todos os homens traziam mulher e filhos, mas mesmo assim Julinha se viu
obrigada a conversar com pessoas estranhas a tarde toda, ao mesmo tempo
cuidando para as crianças não enlamearem a piscina e o churrasco não queimar.
Numa noite de sábado, exausta, Julinha perguntou ao Neco quem era uma loira com
grandes peitos que tinha acabado a tarde embaixo da mesa do alpendre, depois de
exagerar na caipirinha.
– É
a mulher do Valtão – disse o Neco..
– E
quem é o Valtão?
– É
o zagueirão do nosso time. Você não viu ele em campo? Zagueirão.
Com
o Valtão na zaga, o time do Neco não perderia mais nenhuma.
O
Valtão passou a frequentar o sítio todos os fins de semana. Sua mulher, Carol,
sempre terminava a tarde embaixo da mesa do alpendre, inconsciente. E o Valtão
e a Carol um dia trouxeram os filhos. Três terroristas que em pouco tempo
tinham derrubado uma cristaleira, acabado com a salada de batata e provocado
uma crise nervosa no cachorro.
– Eu
não quero mais essa gente na minha casa – declarou Julinha.
– Ué
– disse Neco. – Preconceito social, agora? – Você nem conhecia esse tal de
Valtão, Neco. Aliás, metade das pessoas que tem aparecido aqui eu não conheço
mais.
Neco
não respondeu. Era sábado de manhã e ele estava se preparando para o futebol.
Colocando as caneleiras.
– Eu
não aguento, Neco – continuou Julinha. – Você tem que escolher. Ou o Valtão, ou
eu!
Neco
continuou em silêncio. Talvez porque soubesse que a irritação da Julinha era
passageira e ela acabaria aceitando o Valtão. Ou talvez estivesse ponderando:
uma mulher que, afinal, não era uma má companheira, ou um bom zagueiro de área,
que não se encontra em toda parte? A Julinha precisava entender. Agora não era
mais só futebolzinho. Agora o jogo era com caneleiras.
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