16
de junho de 2012 | N° 17102
EDITORIAIS
ZH
A CPI que aplaude
“Em
sociedades dominadas por condições de produção modernas, a vida é apresentada
como um imenso acúmulo de espetáculos”, escreveu o pensador francês Guy Debord (1931-1994)
em sua obra seminal A Sociedade do Espetáculo, publicada há 45 anos. A noção de
que vivemos sob o primado do espetáculo – “o verdadeiro coração da irrealidade
da sociedade real”, conforme Debord – ficou evidente ao final das duas últimas
sessões da CPI do Cachoeira.
Convocados
para esclarecer suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, os
governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo Queiroz (PT), do
Distrito Federal, foram demoradamente aplaudidos por parlamentares. A imagem de
um sorridente deputado Jilmar Tatto (PT) batendo palmas para Agnelo, como se
estivesse na plateia de um show de sua banda favorita, mereceria figurar nas próximas
edições brasileiras do livro de Debord.
Não
se trata de emitir juízo sobre a culpabilidade dos governadores chamados a
depor. O que se espera é que, estando sob suspeita, ambos tenham direito à mais
ampla defesa, como, de resto, qualquer cidadão.
Ocorre
que, ao adotar comportamento inconveniente, os batedores de palmas acabam por
prejudicar não apenas o interesse público – o esclarecimento dos episódios em
questão –, mas até mesmo a presunção de inocência dos envolvidos, que passam a
ostentar a nódoa de contar com a parcialidade dos investigadores.
Não
escapa a ninguém que as comissões de inquérito se transformaram, nos últimos
anos, de instrumentos de investigação em palcos para todo tipo de coreografia
bizarra, de políticos desejosos de espaço na mídia até subcelebridades.
No
dia de abertura dos trabalhos da CPI do Cachoeira, até uma delegação de
candidatas a miss desfilou nas proximidades da sala da comissão. Nestes dias de
efervescência no Congresso, as câmeras registram ao vivo um mosaico de cenas
grotescas: o senador que cochila durante a sessão; a peça de roupa íntima que,
caída do bolso de um parlamentar, é levada para incineração; os integrantes da
comissão que trocam ofensas de baixo calão.
Há em
tudo isso uma tendência tão acentuada à banalização – outro termo que agradava
a Debord –, que, por vezes, nos esquecemos de que se trata de uma comissão de
investigação integrada por representantes livremente eleitos pelo povo
brasileiro para o Legislativo.
O ex-presidente
da França Charles de Gaulle (1890-1970) nunca disse, mas teria motivos para
afirmar, diante de tais episódios: “O Brasil não é um país sério”. Convém,
entretanto, delimitar melhor o alcance dessa frase a fim de que não se cometam
injustiças. Afinal, uma CPI que aplaude governadores que deveria investigar está
longe de representar condignamente a nação brasileira.
Representa,
antes, os maus parlamentares que colocam seus interesses político-eleitorais à frente
de suas obrigações de fiscalizar o Executivo. Em vez do “jeitinho”, o “jeitão
brasileiro” – aquele de uma ampla fatia da classe política que se mostra
incapaz de enxergar um palmo além dos próprios interesses.
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