19
de junho de 2012 | N° 17105
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Amizade platônica
Pior
do que amor platônico é a amizade platônica. Muito mais grave.
Quando
seu melhor amigo diz que você não é o melhor amigo dele, que ele tem um outro
melhor amigo, como dói o porta-retrato na mesa.
Você
se acha traído, desapontado, desprezado.
Oferece
o máximo de sua conversa e lealdade a alguém que escolheu um terceiro como
confidente.
Tudo
o que você já fez e falou não teve brilho suficiente para conquistar o reinado
da confiança. Lembra que os jogos, os socorros e a cumplicidade não convenceram
o parceiro a partilhar de idêntico arrebatamento. Ele ainda acredita que tem um
sujeito mais capacitado a entendê-lo do que você. Se ele pudesse optar, não
estaria ao seu lado.
Isso
desequilibra sua fé. Nasce uma covinha no riso, as sobrancelhas tropeçam nos
olhos.
Está
ilhado na admiração. É coadjuvante quando pensava atuar no papel principal.
Na
hora em que descobre a verdade, não há inveja, e sim decepção. Parece que foi
usado, parece que foi um sparring, parece que o passado foi nada.
Nem
pode reclamar como acontece no amor platônico. Não pode pedir estorno dos dias
vividos, ou gritar que é injusto ou tomar um porre.
Dores
de amizade são discretas e silenciosas. Não ser correspondido na amizade cria
um vazio sem precedentes.
Na
escola, meu melhor amigo era o Cristiano, o único colega a quem emprestei meu
time de botão, o único a quem contei que amava a Gisele. Atravessava as tardes
em sua companhia: jogando videogame, disputando corridas de bicicleta nas
ladeiras da Mostardeiro, solucionando infindáveis cálculos de matemática.
E não
é que numa redação da 5ª série, na qual revelávamos nossas grandes parcerias,
Cristiano lê alto para toda turma, diante do quadro-negro, que seu amigo do
peito era o Gustavo?
Fui
pego desprevenido, não tive tempo de esconder a tristeza, que ficou visível no
rosto, escandalosa como perfume de goiaba.
Naquele
instante, conheci a força secreta da rejeição. Gostava dele e ele preferia o
Gustavo. Eu me percebi corneado na amizade. Um corno manso das confissões.
Risquei
o Cristiano rapidamente do meu texto. Mas não veio nenhum nome para substituí-lo.
Não tinha segundo melhor amigo.
Menti
para a professora que não terminei o texto. Ela entendeu minha solidão, e não
me repreendeu.
Passei
a voltar sozinho para casa.
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