20
de junho de 2012 | N° 17106
DIANA
CORSO
Ao pé da letra
Elize
Matsunaga descobriu que seu marido a estava traindo. O casal passou pelos
desentendimentos usuais de um fim de relação, brigas, ódios, vontade de destruir
aquele que ousou deixar de amar. Mas ela radicalizou: matou Marcos, esquartejou
seu corpo, espalhando seus pedaços por vários lugares. Uma monstruosidade. Como
é possível tanta frieza? De onde ela tirou forças para despedaçar um homem,
como pôde fazer algo tão isento de humanidade?
Não
sei, nem me cabe diagnosticar a assassina confessa desta história, mas posso
afirmar que a loucura, quando irrompe, ofuscando todas as razões que restam a
alguém, dota sua vítima de força e determinação incontroláveis. O que não torna
crimes cometidos, nesse estado de espírito, defensáveis ou justificáveis. Nas
pessoas ditas normais, isso ocorre em situações limite, urgentes: guerras,
violência urbana, doenças, em que surgem forças e iniciativa que se desconhecia
ter.
Uma
pessoa abandonada, substituída no coração daquele que ama, pode sentir-se
desmanchar. O amor não é apenas um momento de prazer, cumplicidade ou
companhia, também é dele que provém a identidade. Declaramos nosso “estado
civil”, ou seja, existe alguém que atesta publicamente nos amar e viver
conosco.
Depois
de um rompimento, aquele que deixou de ser amado sente-se nada, um dejeto.
Pensa que nunca mais será escolhido, seus atrativos desaparecem. Todo mundo já
passou por isso alguma vez. Situação difícil, costuma deixar um legado de
lágrimas, lamúria, depressão. Ou pior.
Estamos
acostumados a ver homens enlouquecerem por ciúmes, desesperados mediante
separações que não aceitam. Não é incomum que assassinem suas ex-parceiras,
quando não chacinam os frutos daquela relação. Os filhos lembram a desgraçada
que me abandonou, devem também desaparecer.
Talvez
seja pelo costume, de uma sociedade machista na qual a honra do homem tinha
legitimidade jurídica para ser lavada, que não nos horrorize tanto. A masculinidade
sempre foi mais ativa, às mulheres cabe definhar.
Elize
reagiu como uma vingadora. Louca, como ficam esses homens que matam a família
inteira, tirou forças dessa situação limite que nos transforma em heróis ou
monstros. Seu mundo se desfez, passou, provavelmente a funcionar com uma lógica
delirante. Tomou a desgraça ao pé da letra, se era para dividir seu homem,
repartiu-o por São Paulo. Neste caso, aparentemente o resultado foi um surto:
Marcos Matsunaga tornou-se de todos e de ninguém. Assim, literalmente.
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