A deputada aposentada na Padre
Chagas
A
deputada aposentada está sozinha, tomando seu chá num café da Padre Chagas. Seus
olhos plastificados contemplam, sem tristeza ou alegria, as últimas horas do
domingo frio, que escorrem junto com a garoa. Seu rosto tem marcas de décadas
de história recente do Rio Grande e do Brasil e sinais de procedimentos estéticos
revitalizadores bem-sucedidos.
Maquiagem
suave, cabelos de comprimento médio, penteado sóbrio, roupas clássicas, gestos
comedidos e a discreta cadeira numa mesinha de canto permitem que ela fique em
paz, anônima quase, em meio ao burburinho da Rua da Praia do século XXI.
O
cronista municipal a observa, mas não a aborda, acha melhor não invadir o
momento individual da senhora. Em que pensa a parlamentar jubilada? No marido,
nos filhos, nos netos? Será que pensa que deveria estar no calor do Rio de
Janeiro ou de Paris, nesta altura do ano e do campeonato?
Ou
será que pensa nas voltas loucas da política desse País e deste Estado? Depois
de várias décadas de atividade pública, de risos, lágrimas, aplausos e críticas,
perdas e ganhos, ela está tomando seu chá, em paz, sem alarde, talvez resignada.
Não parece muito feliz. De certo ainda se sente indignada com os menores e
maiores de rua, com as injustiças, a corrupção, os descaminhos.
De
certo pensa que fez sua parte, que tentou fazer o melhor e que o mundo e as
pessoas são o que são. Talvez pense que acertou e errou, que viveu e deixou de
viver, que fez e não fez, como a maioria de nós. Ela deve pensar que está viva,
deixou a História para entrar na história. Não parece ter muita saudade da vida
pública e do poder. Talvez lembre
Fernando Pessoa: tudo vale a pena, se a alma não é pequena.
Ou
Mario Quintana: Todos estes que aí estão/atravancando o meu caminho/Eles passarão/
Eu passarinho! Talvez pense apenas no filme que verá, no jantar ou no remédio
que vai comprar. Cronistas imaginam, viajam na maionese, piram na batatinha,
inventam para caramba. Ela se levanta com calma, vai até o caixa. Depois, sai
caminhando, lentamente, com passos privados, elegantes, sumindo na noite, em
direção às luzes do shopping.
Ela
sabe que, muitas vezes, em porta de casa de parlamentar sem mandato, só o vento
bate. Mas sabe que viveu muito, que muito valeu a pena, que amanhã é segunda,
preto na folhinha, e que o segundo tempo ainda está longe de terminar.
Jaime
Cimenti
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