17
de junho de 2012 | N° 17103
MARTHA
MEDEIROS
Coragem
A
pior coisa do mundo é a pessoa não ter coragem na vida.” Pincei essa frase do
relato de uma moça chamada Florescelia, nascida no Ceará e que passou (e vem
passando) poucas e boas: a morte da mãe quando tinha dois anos, uma madrasta
cruel, uma gravidez prematura, a perda do único homem que amou, uma vida sem
porto fixo, sem emprego fixo, mas sonhos diversos, que lhe servem de sustentação.
Ela
segue em frente porque tem o combustível que necessitamos para trilhar o longo
caminho desde o nascimento até a morte. Coragem.
Quando
eu era pequena, achava que coragem era o sentimento que designava o ímpeto de
fazer coisas perigosas, e por perigoso eu entendia, por exemplo, andar de tobogã,
aquela rampa alta e ondulada em que a gente descia sentada sobre um saco de
algodão ou coisa parecida.
Por
volta dos nove anos, decidi descer o tobogã, mas na hora H, amarelei. Faltou
coragem. Assim como faltou também no dia em que meus pais resolveram ir até a
Ilha dos Lobos, em Torres, num barco de pescador. No momento de subir no barco,
desisti. Foram meu pai, minha mãe, meu irmão, e eu retornei sozinha, caminhando
pela praia, até a casa da vó.
Muita
coragem me faltou na infância: até para colar durante as provas eu ficava
nervosa. Mentir para pai e mãe, nem pensar. Ir de bicicleta até ruas muito
distantes de casa, não me atrevia. Travada desse jeito, desconfiava que meu
futuro seria bem diferente do das minhas amigas.
Até que
cresci e segui medrosa para andar de helicóptero, escalar vulcões, descer
corredeiras d’água. No entanto, aos poucos fui descobrindo que mais importante
do que ter coragem para aventuras de fim de semana, era ter coragem para
aventuras mais definitivas, como a de mudar o rumo da minha vida se preciso
fosse. Enfrentar helicópteros, vulcões, corredeiras e tobogãs exige apenas que
tenhamos um bom relacionamento com a adrenalina.
Coragem,
mesmo, é preciso para terminar um relacionamento, trocar de profissão,
abandonar um país que não atende nossos anseios, dizer não para propostas
lucrativas porém vampirescas, optar por um caminho diferente do da boiada,
confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para
conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente,
coragem para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o
ser humano.
Não
subi no barco quando criança – e não gosto de barcos até hoje. Vi minha família
sair em expedição pelo mar e voltei sozinha pela praia, uma criança ainda,
caminhando em meio ao povo, acreditando que era medrosa. Mas o que parecia medo
era a coragem me dando as boas-vindas, me acompanhando naquele recuo solitário,
quando aprendi que toda escolha requer ousadia.
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