quarta-feira, 13 de junho de 2012


ANTONIO PRATA

Reforma econolinguística

O que proponho é simples: quando tivermos sílabas repetidas entre duas palavras, cortamos uma

QUE "TEMPO é dinheiro" todos sabem, pelo menos desde 1748, quando Benjamin Franklin cunhou a frase em seu livro "Conselhos a um jovem negociante", e prova inconteste de tal princípio é a superioridade econômica dos EUA sobre nós. Afinal, por lá, usam-se apenas onze letras para dizer "time is money", enquanto para transmitir a mesmíssima ideia em português precisamos mobilizar catorze caracteres.

Agregue um centavo a cada segundo tomado por essas letras sobressalentes, imagine quantas vezes já dissemos "tempo é dinheiro" de 1748 pra cá e fica fácil entender porque os americanos chegaram à Lua em 1969 e nós ainda não temos esgoto em quase um terço das moradias.

De nada adianta, contudo, maldizer nossas origens, praguejar contra a última flor do Lácio ou amaldiçoar o latim. É preciso enfrentar o problema de frente. Com esse intuito -o de abreviar nossas sentenças e engordar nossas finanças-, desenvolvi nos últimos anos uma reforma linguística. Não afirmo que através dela chegaremos à Lua, mas se garantirmos ao menos uma privada para cada bunda, na vasta extensão que nos cabe aqui na Terra, já estaria mais que justificado o esforço. Pois vamos à proposta.

O leitor atento, ou mesmo o desatento -e mesmo o não leitor, o simples escutador, analfabeto ou iletrado- já haverá notado que muitas vezes a última sílaba de uma palavra é igual à primeira sílaba da próxima, obrigando-nos a repeti-la. É o caso de "Estação São Bento", "tá se sentindo bem?", "vou pra praia", "vem cá, Camila" e "rinocerontes testam mísseis de longo alcance".

Façamos mais uma vez aquele exercício mental do primeiro parágrafo: imaginemos que a cada uma dessas sílabas duplicadas equivale um centavo jogado fora -e já posso ver o condutor do metrô de São Paulo, que anuncia "Estação São Bento" viagem após viagem nos alto-falantes, desesperar-se pensando dos milhões desperdiçados.

Não se desespere, meu bom condutor. Nossos dias de perdulária verborragia chegaram ao fim! O que proponho é simples: sempre que tivermos sílabas repetidas entre duas palavras, cortamos uma, condensando os dois vocábulos num só. E, para que saibamos que há ali uma sílaba omitida, colocamos um acento na restante, de modo que bastaria à pessoa escutar "vou prãia" ou "rinocerontêstam" para compreender que eu estou indo à praia ou que rinocerontes estão a testar mísseis de longo alcance.

Alguns patrícios, mentes tacanhas e resistentes à mudança, certamente se oporão à reforma. Se quiserem continuar a falar do modo antigo, por mim, tudo bem: assim que virem como seus concidadãos progridem, saem mais cedo do trabalho e compram carros com tvzinhas nos para-sóis, hão de se convencer da superioridade do meu sistema. E, mesmo que não se convençam, não devemos nos preocupar.

Aos poucos, repetindo as sílabas inúteis, eles irão ficando para trás. Primeiro alguns segundos, depois vários minutos, então horas, até que os perderemos de vista, empacados anteontem ou na semana passada. Enquanto isso, nós, os que não gostamos dèsperdício, estaremos a gozar dos frutos desta reformãravilhosa. As futuras gerações agradecerão o nosso esforço, caro leitor, do fundócoração.

antonioprata.folha@uol.com.br

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