24
de junho de 2012 | N° 17110
Martha
Medeiros
Duelos Verbais
Corri
pra assistir a Deus da Carnificina, temendo que não ficasse muito tempo em
cartaz. O filme, adaptação de uma peça de Yasmina Reza, é dirigido por Roman
Polanski e traz no elenco Jodie Foster, Christoph Waltz, Kate Winslet e John C.
Reily. Uma ficha técnica de respeito, mas mesmo fichas técnicas de respeito
podem não resultar no esperado.
Pois
Deus da Carnificina foi além do que eu esperava. É econômico em muitos sentidos
(80 minutos de duração, cenário único e puro texto), mas em humanidade, é farto
à beça. A história: dois garotos de 11
anos brigam por bobagem num parque, e um deles acaba atingindo o outro
fisicamente.
O
filme mostra, do início ao fim, a visita que os pais do agressor fazem aos pais
do menino agredido. Tudo muito cordial e civilizado, até que as máscaras da
hipocrisia vão caindo uma a uma, e o barraco se instala. E que barraco,
senhoras e senhores. Dois casais que nãose conhecem, fechados num apartamento.
Uma
chatonilda politicamente correta, um viciado em trabalho que não desgruda do
celular, uma mulher controlada que muda de personalidade após dois goles de uísque
e um desencanado que gostaria de estar em qualquer outro lugar, menos ali – com
qual deles você se identifica? Um pouco com todos, não há escapatória.
Assim
que o filme termina, fica evidente: como somos patéticos, tanto na civilidade
quando na baixaria, tanto sóbrios quanto alcoolizados. E contraditórios: julgamos
mal uma pessoa por causa de uma única frase, e dali a minutos voltamos a
simpatizar com ela por ter concordado com algo que dissemos.
Fazemos
uma dramalhão por pequenas coisas, expomos carências infantis, perdemos a co
postura, fazemos confissões intimas a estranhos – que meleca. Lá pelas tantas,
um deles pergunta: porque as coisas não
podem ser mais simples? Ah, é tudo que se quer. Foco, objetividade, ir direto
ao ponto. Mas quem consegue? Á medida que o filme avança, a situação torna-se tão
sem controle que a plateia começa a rir, e é essa a reação que deveríamos ter
dentro de nossa própria sala, não só na sala do cinema.
Rir
do nosso delírio de evar a ferro e fogo situações banais, de nossa insistência
em querer causar uma boa impressão, de nosso comportarmos como se estivéssemos
num tribunal. Qual o propósito de tamanho desgaste, se as coisas solucionam-se
quase sempre por si mesmas?
Na
saída do filme acompanhei sem quere a conversa de um casal: ela havia amado o
filme, o marido havia odiado. E instalou-se a discussão pelos corredores do
shopping. Ela tentando convencê-lo da genialidade das cenas, ele se permitindo
achar tudo uma aporrrinhação. Ela frustrada com a falta de concordância dele,
ele cansado da ladainha dela, sem reparar que estavam. Ambos, dando
continuidade ao roteiro.
Patéticos,
nós todos. Cada um defendendo suas razões como se disso dependesse a nossa
sobrevivência. Ninguém se conforma com sua solidão interna.
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