21
de junho de 2012 | N° 17107
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Dois talentosos e um
inepto
Li
dois relatos recentemente que me impressionaram muitíssimo. Ambos falavam da
doença e da velhice, esses calvários. Nos dois textos, dois escritores de
renome contam a progressiva, angustiante e dolorida jornada de seus pais rumo
ao fim.
O
primeiro foi Patrimônio, último livro do americano Philip Roth publicado no
Brasil, no qual ele narra os últimos anos de vida do seu pai, diagnosticado (já
em idade bastante avançada) com um raro câncer no cérebro. Roth é um gênio, e
um livro seu é sempre a garantia de incríveis momentos – em Patrimônio, ele
refaz a trajetória do seu pai, um imigrante pouco culto e de temperamento forte
e audaz, um rochedo de certezas e de máximas, que de repente se vê diante da
própria e terrível ruína.
O
segundo relato faz parte da última Piauí e é de autoria de Jonathan Franzen,
outro grande escritor americano (apontado por muitos como o “novo Philip
Roth”). Nesse ensaio pessoal e delicado, Franzen conta a história da doença do
pai, diagnosticado com o Mal de Alzheimer. Num apanhado de memórias dos últimos
anos da vida paterna, desde o insidioso e traiçoeiro começo da doença até os
últimos meses, quando o pai, já uma criança no corpo de um adulto e internado
numa clínica apropriada, decide simplesmente parar de se alimentar.
Como
Earl Franzen já não falava mais nessa época, fica a dúvida – cada vez mais uma
certeza para Jonathan – que aquele era um movimento lúcido, o derradeiro
movimento do pai. Ele escolhia assim a libertação daquela vida num oceano de
eterno presente e apontava a proa para a morte. Lendo seu ensaio, descobri que
Franzen já contava um pouco a história do pai no seu genial romance As
Correções.
Dois
grandes autores, dois grandes relatos – um único final compartilhado por todos
nós. Beleza e melancolia para ninguém botar defeito. Para ler com um lencinho
por perto.
Mas,
enquanto estamos por aqui, melhor manter a linha. Quem parecia ter Alzheimer ou
qualquer outra doença cerebral degenerativa foi o vice-prefeito de Gdansk, uma
das oito cidades-sede da Eurocopa.
Eu,
que ufano minhas origens polonesas, senti vergonha. A frase de pan Bojanowski
antes de um jogo importante em Gdansk: “Quero agradecer aos habitantes e
funcionários da cidade por terem se comportado como gente normal, branca e
civilizada ante nossos convidados, que também se comportaram como gente branca
normal”. Alguém deveria ter cortado o som.
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