12
de junho de 2012 | N° 17098
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Carta para minha namorada
Eu
decorei suas fraquezas, acalmei seus pesadelos.
Conheço
histórias de sua infância, dores e repulsas.
Sou
sua caixa-preta, sua cópia de segurança, seu diário, seu esconderijo na parede.
Poderia
imitar sua caligrafia, poderia escrever sua biografia, listar o material
escolar da 5ª série, recordá-la da capa de bichinhos coloridos da cartilha
Alegria de Saber.
Você
não escondeu nenhuma resposta de minhas perguntas. Nenhuma gaveta para a minha
curiosidade.
Nunca
se revelou tanto para outra pessoa. Expôs quem odiava no Ensino Médio, quem
amava, quais as gafes e as covardias que experimentou na escola.
Confidenciou
aquilo que seu pai gritou e que magoou fundo, aquilo que sua mãe omitiu e feriu
fundo.
Não
tem anticorpos contra mim. Baixou as armas, depôs a mínima resistência.
Se
você me escolheu para confiar, devo ter o dobro de tato para falar contigo, o
triplo de responsabilidade. Qualquer um conta com o direito de falhar, qualquer
um desfruta da possibilidade de errar, menos eu. Sou o que realmente estudou
seus pontos fracos e o lugar de suas veias.
Perdi
a desculpa do acidente, a vantagem do lapso.
Sou
o mais perigoso, portanto tenho a obrigação de defendê-la de mim. Tudo o que
ouvi a seu respeito não posso empregar para agredi-la. Cada desabafo que me
confiou não serve para nada, a não ser para amá-la.
Não
tem finalidade doméstica, nem serventia para fofoca, é uma amnésia alegre: escuto,
sorrio e consolo.
Não
ouso soprar verdades sem sua permissão. São arquivos protegidos.
Quem
ama mergulha em hipnose regressiva, firmamos um código de quietude e
cumplicidade, de zelo e compromisso.
Intimidade
é um conteúdo perigoso, tóxico, explosivo. Há os casais que esquecem que estão
levando a valiosa carga e transformam a catarse em tortura psicológica, em
chantagem emocional, em sequestro moral.
Suas
confidências morrem comigo ou eu vou morrer nelas. Não podem retornar numa
briga. Que eu morda a língua, queime a boca, mas não use jamais seus segredos. Aquilo
que você me disse não é para ser devolvido. Todo o segredo é um sino sem pêndulo.
Não
importa o que faça ou as razões da raiva, é covardia distorcer suas lembranças.
Não
posso rifar seus problemas, nem propor leilão dos seus medos.
Minha
namorada, minha noiva, minha mulher, meu amor.
Eu
prometo cercar seu silêncio com meu silêncio.
Não
nasci para julgá-la, mas para me julgar e, assim, merecê-la.
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