05
de agosto de 2013 | N° 17513
KLEDIR
RAMIL
As sereias do
Hermenegildo
Os
moradores da Praia do Hermenegildo, no Rio Grande do Sul, estão sendo engolidos
pelo mar. Pouco a pouco vão sendo devorados por tsunamis de porte médio, que
avançam sobre “a maior praia do mundo”.
Alguns
falam que é culpa do aquecimento global, outros dizem que é uma maldição local.
Não sei. Não quero criar pânico, mas, pelos relatos que tenho ouvido, dá até
pra acreditar na tal lenda de um monstro marinho, que provoca maremotos com o
objetivo de avançar terra adentro em busca de alimento. A fúria destrutiva das
águas permite imaginar fantasias como essa de um “Monstro do Hermena”, capaz de
engolir o que encontra pela frente: gente, animais domésticos, árvores
inteiras, automóveis, ruas de paralelepípedos e até casas de veranistas. Agora,
se o bicho consegue digerir tudo isso, é outra coisa.
A Praia
do Hermenegildo é um lugar lindo e, ao mesmo tempo, estranho. Fica lá no fim do
mapa, onde o Brasil encontra o Uruguai e talvez haja mesmo por ali algum
mistério inexplicável. Antigamente, a região era um reduto de piratas. Piratas
sem embarcações. A pé, a cavalo. Coisa de gaúcho.
Era
assim. No meio da noite, os bandidos acendiam uma enorme fogueira na beira da
praia para confundir os navegantes, que, acreditando estarem vendo o farol do
Chuí, seguiam a falsa rota até encalhar e serem atacados. E pilhados.
Mesmo
com todo esse histórico de lendas e desequilíbrio da natureza, meu irmão Kleber
comprou uma casa no balneário, de frente pro mar. Como se quisesse desafiar os
deuses, especialmente Netuno, o deus dos oceanos.
Dizem
que, num fim de tarde de outono, Kleber teria ouvido ali o canto das sereias e,
desde então, ficou enfeitiçado. É possível. Ele é um cara de alma sensível,
capaz de se deixar levar por encantamentos.
As
sereias do Hermenegildo são o oposto dos piratas gaúchos, que ficavam na beira
da praia atraindo os incautos. Tudo o que elas querem é nos levar para as
profundezas do mar, para vivermos sabe-se lá que tipo de experiência. É um
mistério. Nunca voltou uma viva alma pra contar.
Kleber
ama o Hermena. Talvez um dia, sentado na sua cadeira de balanço, tomando um
mate na varanda e pensando na vida, ele seja tragado pelas ondas do Oceano
Atlântico.
Me
preocupo por ele, mas, se for pra ser assim, tenho certeza que partirá feliz.
Nos braços das sereias.
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