domingo, 25 de agosto de 2013

ANTONIO PRATA

(M?)(H?)otel

A única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão

A pergunta que me faço sempre que passo pelo luminoso, há anos, é se estamos diante de um M disfarçado de H ou de um H que finge ser M. Embora as duas hipóteses encontrem argumentos, tendo a me inclinar em direção à primeira: trata-se de um motel envergonhado.

O estabelecimento fica quase na Raposo Tavares --e é esse "quase", acredito, que explica sua indecisão. Logo ali, menos de três quilômetros adiante, os Ms já não terão pudor de exibir seus rubros decotes à beira da estrada: Motel L'Amour, Motel Belle, Sedutti e Fox Trot Motel. Uma estrada, contudo, é uma estrada, uma cidade é uma cidade. 

O ambíguo luminoso brilha entre uma imobiliária e uma casa de família: suas piscadelas vão para os trabalhadores no ponto de ônibus, para os estudantes da USP, para a secretária que, a caminho do metrô, compra uns chocolates do ambulante. É melhor que as lâmpadas brancas não esclareçam totalmente os contornos da moldura vermelha: assim, só quem sabe o que busca verá, no sorriso discreto do H, o púbis desnudo do M.

Ou não --como diria o poeta. Afinal, por que teria de se esconder, um motel? Um motel não é um bordel. Ninguém se choca com sua existência. Não atrai "gente diferenciada". Associações de bairro não tentam evitar sua construção. O Feliciano, a bispa Sônia ou o papa, até onde eu sei, jamais fizeram dele o alvo de seus recalques. Será que, em vez de um motel envergonhado, estamos diante de um hotel atrevido?

Um pequeno hotel cujo peso das contas a pagar, todo mês, acabou por flexibilizar o austero H, levando-o a ampliar seu público? Se o caminhoneiro cansado quiser dormir algumas horas antes de seguir para Sorocaba, encontrará uma cama limpa. Se o casal afobado não aguentar chegar à Raposo, terá uma cama redonda.

Motel acanhado ou hotel saidinho, a mesma dúvida me traz: como lidará a clientela com tal indecisão gráfica e mercadológica? Convenhamos, a única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão: afora isso, tudo os separa. Uns aspiram ao silêncio decorativo, no qual espelharão a tranquilidade domiciliar, os outros desejam exatamente o contrário, o estímulo excêntrico que os faça esquecer do tédio do lar.

Tentar unir roncos e gemidos parece uma receita para o fracasso e, no entanto, o negócio resiste, há anos. Ocorre-me agora que ele talvez perdure não apesar da ambiguidade, mas justamente por causa dela.

As lâmpadas brancas, sem esclarecer totalmente os contornos da moldura vermelha, não são a senha para quem sabe o que busca, mas um convite aos trabalhadores no ponto de ônibus, à secretária comprando chocolates, ao ambulante, aos estudantes da USP, ao caminhoneiro a caminho de Sorocaba. Quem sabe se as promessas de aventura do motel, somadas ao lastro de segurança de um hotel, não trazem vez por outra certas ideias a esses incautos pedestres que, atraídos pelo sorriso discreto do H, acabam seguindo a seta do M? Talvez as duas letras, mais do que divergentes, sejam consoantes.


@antonioprata

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