ANTONIO PRATA
(M?)(H?)otel
A única concordância entre quem busca o sono e quem procura
o sexo é sobre a conveniência de um colchão
A pergunta que me faço sempre que passo pelo luminoso, há
anos, é se estamos diante de um M disfarçado de H ou de um H que finge ser M.
Embora as duas hipóteses encontrem argumentos, tendo a me inclinar em direção à
primeira: trata-se de um motel envergonhado.
O estabelecimento fica quase na Raposo Tavares --e é esse
"quase", acredito, que explica sua indecisão. Logo ali, menos de três
quilômetros adiante, os Ms já não terão pudor de exibir seus rubros decotes à
beira da estrada: Motel L'Amour, Motel Belle, Sedutti e Fox Trot Motel. Uma
estrada, contudo, é uma estrada, uma cidade é uma cidade.
O ambíguo luminoso
brilha entre uma imobiliária e uma casa de família: suas piscadelas vão para os
trabalhadores no ponto de ônibus, para os estudantes da USP, para a secretária
que, a caminho do metrô, compra uns chocolates do ambulante. É melhor que as
lâmpadas brancas não esclareçam totalmente os contornos da moldura vermelha:
assim, só quem sabe o que busca verá, no sorriso discreto do H, o púbis desnudo
do M.
Ou não --como diria o poeta. Afinal, por que teria de se
esconder, um motel? Um motel não é um bordel. Ninguém se choca com sua existência.
Não atrai "gente diferenciada". Associações de bairro não tentam
evitar sua construção. O Feliciano, a bispa Sônia ou o papa, até onde eu sei,
jamais fizeram dele o alvo de seus recalques. Será que, em vez de um motel
envergonhado, estamos diante de um hotel atrevido?
Um pequeno hotel cujo peso das contas a pagar, todo mês,
acabou por flexibilizar o austero H, levando-o a ampliar seu público? Se o
caminhoneiro cansado quiser dormir algumas horas antes de seguir para Sorocaba,
encontrará uma cama limpa. Se o casal afobado não aguentar chegar à Raposo,
terá uma cama redonda.
Motel acanhado ou hotel saidinho, a mesma dúvida me traz:
como lidará a clientela com tal indecisão gráfica e mercadológica? Convenhamos,
a única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a
conveniência de um colchão: afora isso, tudo os separa. Uns aspiram ao silêncio
decorativo, no qual espelharão a tranquilidade domiciliar, os outros desejam
exatamente o contrário, o estímulo excêntrico que os faça esquecer do tédio do
lar.
Tentar unir roncos e gemidos parece uma receita para o
fracasso e, no entanto, o negócio resiste, há anos. Ocorre-me agora que ele
talvez perdure não apesar da ambiguidade, mas justamente por causa dela.
As lâmpadas brancas, sem esclarecer totalmente os contornos
da moldura vermelha, não são a senha para quem sabe o que busca, mas um convite
aos trabalhadores no ponto de ônibus, à secretária comprando chocolates, ao
ambulante, aos estudantes da USP, ao caminhoneiro a caminho de Sorocaba. Quem
sabe se as promessas de aventura do motel, somadas ao lastro de segurança de um
hotel, não trazem vez por outra certas ideias a esses incautos pedestres que,
atraídos pelo sorriso discreto do H, acabam seguindo a seta do M? Talvez as
duas letras, mais do que divergentes, sejam consoantes.
@antonioprata
Nenhum comentário:
Postar um comentário