14
de agosto de 2013 | N° 17522
CARLOS
GERBASE
A escrita dos cientistas
O
estilo dos ficcionistas é, com certeza, mais importante que o conteúdo de suas
obras. O que vale um bom tema se a redação é ruim? Mas um bom texto – claro,
elegante, divertido – salva qualquer tema. Às vezes, os escritores têm certa
dificuldade em admitir esse caráter formalista de seu ofício. John Updike conta
em sua autobiografia que ficou muito decepcionado quando as críticas de suas
primeiras obras o descreveram com um autor de muito estilo sem nada de
importante para dizer. Updike achava que tinha dito coisas fundamentais e que,
apesar de toda a luta na máquina de escrever, não encontrara as palavras mais
adequadas.
O
estilo dos cientistas, contudo, parece ser muito menos importante que o conteúdo
de suas pesquisas, que buscam a tal “verdade” sobre o mundo. Esta, mesmo que
temporária, deve ser exposta numa fórmula matemática, ou numa série de
demonstrações irrefutáveis, e não num parágrafo elegante.
Historiadores
“de verdade” só escrevem para outros historiadores, porque seus textos, de tão
chatos e cheios de referências, são ilegíveis para o público. Os divertidos e
populares livros de Eduardo Bueno sobre o Brasil colonial são, portanto,
estilisticamente falando, a antítese das obras científicas sobre o mesmo tema. Ainda
bem.
Por
motivos meio insondáveis, tenho lido muitas obras científicas na área de
biologia, em especial as que tratam de evolução. Não li ensaios acadêmicos nem
tenho base suficiente para entrar em detalhes estatísticos e bioquímicos, mas
essa experiência mudou minha opinião sobre a necessidade de um cientista ter um
bom estilo.
Na
polêmica entre Stephen Jay Gould e Richard Dawkins sobre regularidade da evolução
(constante ou “aos saltos”), fui convencido várias vezes sobre a “verdade” dos
fatos, mudando de opinião à medida que lia suas divertidas, elegantes e claras
obras sobre o assunto. Eles parecem ficcionistas: a forma retórica com que
descrevem a “verdade” científica se sobrepõe ao conteúdo.
Darwin,
mesmo sendo um gigante perto deles, é meio chato, repetitivo e pouco claro. A grande
qualidade de Freud, afinal das contas, é o seu estilo. Descobertas recentes da
neurociência comprovam a maioria de suas teses, mas refutam outras.
E daí?
Freud escrevia bem, e isso faz com que continuemos acreditando no complexo de Édipo.
Em minha incursão nas ciências naturais, a frase mais elegante, sintética e
precisa que li é de Dobzhansky: “Nada faz sentido em biologia a não ser à luz
da evolução”. À luz de tudo o que li de outros autores, me convenceu. E, se
dois bons estilistas como Gould e Dawkins concordam com ele, deve ser verdade.
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