ANTONIO
PRATA
Feira de Frankfute
Semana
passada, recebi uma das notícias mais felizes na história de minhas fatigadas
canelas
Sei
que em nome da vaidade ou, ainda, de sua irmã mais jeitosa, a humildade, eu não
deveria dizer esse tipo de coisa, mas lá vai: muitas vezes me imagino
participando da Flip. Não é o auditório lotado que vejo em meus devaneios
narcisistas, tampouco a fila de autógrafos ou o flash dos fotógrafos: a imagem
que me vem à mente, sempre, é a do futebol.
Talvez
o leitor não saiba, mas em toda Festa Literária de Paraty há uma pelada
disputada pelos escritores --ou, ao menos, por aqueles cuja saúde permita bater
uma bola sem bater as botas. Em minha quimera lítero-esportiva, saio driblando
críticos, ultrapassando romancistas, desarmando contistas e, de calcanhar, de
bicicleta ou trivela, estufo a rede. Finda a partida, recebo os cumprimentos de
Roberto Schwarz, José Miguel Wisnik pede para trocar comigo a camisa, dou
entrevista à revista "Serrote", dedicando a vitória à minha esposa, à
Deus e --quem sabe?-- à professora Lucilene, do primário, pois sem ela...
Não é
o meu talento ludopédico, claro, que me insufla tais delírios, mas bem o contrário:
é do oco em que deveria residir minha habilidade que sopra a brisa da ilusão. Nas
aulas de educação física, na escola, eu era aquele infeliz escolhido por último.
Ainda trago na memória as cicatrizes causadas pelo olhar aflito do garoto a
escalar o time, tendo de optar entre mim e a menina de cabresto nos dentes --por
quem, ao fim, ele se decidia.
O
sofrimento com o analfabetismo de minhas pernas durou até 2004, quando fui à primeira
Flip e, assistindo à douta cancha, descobri que o desempenho futebolístico dos
escritores era inversamente proporcional às suas virtudes literárias. Percebi,
ali, que havia esperança: entre os grandes das letras, pelo menos, eu poderia
ser um craque da bola. Desde então, a cada ano, sempre que se aproxima a escalação
para uma nova festa literária, cozinho algumas insônias na chama da
expectativa, mas, para minha frustração, nunca encontro meu nome na lista.
Pois,
semana passada, Charles Miller debateu-se em seu túmulo e eu recebi uma das notícias
mais felizes na história de minhas fatigadas canelas. Fui selecionado pelo
Instituto Goethe para integrar o time de escritores brasileiros que irá à Feira
de Frankfurt, em outubro, enfrentar os alemães da Seleção Nacional de Autores,
a "Autorennationalmannschaft" --ou Autonama, para os íntimos.
Nesta
ensolarada (espero) manhã de domingo, enquanto você toma descansadamente seu
café, eu e mais 15 escritores brasileiros suamos a camisa, no primeiro treino
coletivo do escrete da escrita. Sabemos o tamanho da responsabilidade: somos,
simultaneamente, a pátria de chuteiras e de teclados, temos menos de dois meses
e, tomando a mim mesmo como medida, imagino que o caminho será tortuoso. Há,
contudo, dois dados animadores: do outro lado do campo também haverá escritores
e nosso técnico é ninguém menos do que Pepe, o "canhão da Vila".
A
ver se, nestas oito semanas, sob a batuta de um dos maiores pontas-esquerdas da
história, deixo de ser canhestro e sigo apenas canhoto, mostrando que, com fé em
Deus e obedecendo a orientação do professor, é possível, apesar de ser "gauche"
na vida, fazer bonito pela sinistra nos gramados do velho mundo.
Que
vença o pior!
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