01
de setembro de 2013 | N° 17540
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Meu coração em tuas mãos
– Escute meu coração! – ela me pediu.
Achei
bobagem. Concluí que era coisa de criança, que adultos não deviam perder tempo
ouvindo o coração. Lembrava uma infantilidade, uma doçura extravagante. Apesar
de minha recusa, ela colocou minha palma esquerda sobre seu peito.
Fingi
interesse até que a sequência virou música. Fazia muito que não ouvia o coração
com as mãos. A mão é o ouvido perfeito. A mão é uma concha natural; o oceano
nos dedos.
Naquela
hora, eu capturei o animal acelerado, seu silêncio enervado, seu desejo
correndo para todas as veias da boca. Espantei-me com a banalidade, a
redescoberta do óbvio, como se estivesse aprendendo a amarrar os cadarços
depois de velho.
Eu
entendia o que ela estava sentindo melhor do que se falasse. Eu via que ela era
real, e que ela era possível. As palavras foram se tornando palpáveis. As
frases cresciam em sentido. É como um coro que desmancha a solidão do
pensamento.
Eu
me apavorei com o meu desconhecimento do gesto. Por que não cumprimento as
pessoas escutando seu coração? Por que abandonei o hábito de pequeno? Por que
reservei a mecânica ao médico?
Por
que não me permitia ser despudoradamente emocional? Ouvir o coração é como
acompanhar os passos num piso de madeira. A gente identifica o familiar
avançando pela casa, somos capazes de adivinhar o cômodo em que se encontra.
Ouvir
o coração é como ouvir um órgão numa igreja, não um piano. Há uma diferença de
fundo. Os tubos de metal e de madeira ressoam como um segundo sino, em caixas
de cinco andares.
Ecoa
um planger épico, inevitável. O corpo já treme ao andar. O coração é mesmo um
altar, mas quem ainda escuta? Ouve-se o batimento da criança no ventre, os pais
se emocionam com os primeiros sinais de vida de seus filhos, mas nos
desacostumamos com o próprio ritmo. Ninguém nos inspira ou exige sua consulta.
Esquecemos
de conferir o beijo, o abraço e o toque registrados lá, na linha cardíaca.
Com
o coração dela em minhas mãos, compreendi qual o nosso medo. Quem escuta o
coração não machuca o outro. Será responsável pela fraqueza. Sofrerá esperando
o próximo suspiro do som. Estará consciente do intervalo de cada batida. Tem
noção do que é ferir, e como dói ser sozinho.
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