20
de agosto de 2013 | N° 17528
LUIZ
PAULO VASCONCELLOS
Divagações ociosas
É curioso
o fato de um artista lutar em seu próprio tempo para sobreviver e, depois de
morto, ter sua obra reconhecida como síntese desse mesmo tempo. Se não, vejamos.
Quais são as imagens mais emblemáticas que surgem na nossa memória quando
mencionamos a civilização grega, a monarquia absoluta ou a guerra civil
espanhola?
A
democracia de Péricles ou a Ilíada, de Homero? A Inquisição sob Felipe II ou o
Dom Quixote, de Cervantes? A ditadura de Franco ou Guernica, de Picasso?
Obviamente que nos lembramos da arte e dos artistas. Donde a conclusão a que
podemos chegar – e tenho certeza de não estar sendo nada original neste meu
raciocínio – é que a arte é o que sintetiza e define um tempo, uma cultura.
Mas
por que a arte e não a ciência ou a política? Foi Georges Bracque – o inventor
do cubismo e um grande artista, diga-se de passagem – quem respondeu a esta
pergunta quando escreveu que a arte é feita para perturbar, enquanto a ciência
tranquiliza. Ou seja, a ciência ou a política podem me explicar as razões de um
tsunami, de um câncer, de uma passeata nas ruas.
E de
posse de uma explicação posso buscar alternativas para evitar desgraças,
surtos, epidemias, catástrofes. Já a arte não me explica nada. Me provoca, isso
sim, me instiga, seja a cor e a forma na pintura, o som e o silêncio na música,
a ação e o conflito no drama. Donde posso concluir que tranquilo me satisfaço;
perturbado, busco alternativas, soluções.
E aí
vem aquela outra realidade dura e crua subvertendo a lógica que a memória histórica
nos ensinou. Se um governo, não importa a alçada, precisar economizar, cortar
gastos, reduzir despesas, qual a primeira área a ser afetada? Não precisa parar
para pensar, ninguém tem dúvidas: a cultura.
Segunda
questão: qual o ministério ou as secretarias com os menores orçamentos? Quem
respondeu a Cultura acertou! E muito do que resulta dessas meras repartições públicas
é o que com o tempo pode assumir o papel de símbolos, ícones, referências históricas
que mudam a face do mundo.
Alguém
ainda tem alguma dúvida? Então escolham: Shakespeare ou a Rainha Virgem? Brecht
ou o Muro de Berlim? Dostoiévski ou a Dinastia dos Romanov?
Só pra
terminar uma frase lapidar de Ariane Mnouchkine sobre a criação artística: “O
poeta tem a terrível tarefa de mostrar o que não pode nem deve ser mostrado”. É
isso aí.
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