29
de agosto de 2013 | N° 17537
L.F.
VERISSIMO
O rio do
Éden
O
meu relógio biológico é um Rolex. Não, brincadeira. Nós todos temos um relógio
dentro de nós que sempre “sabe” exatamente que horas são, embora nem todo mundo
saiba que ele sabe, ou confie nele.
O
relógio biológico funciona mais ou menos como uma portaria de hotel, à qual
você pede para ser acordado a certa hora. Ou como um despertador, que você
marca para acordá-lo. O relógio interior pode falhar – as portarias de hotel e
os despertadores também falham –, mas sempre que não acreditei no meu me
arrependi.
O
que aconteceu mais de uma vez foi que o relógio biológico me acordou e fiquei
na cama, aflito para saber se a portaria iria se lembrar ou o despertador
funcionar, e acabei me atrasando. E minha tese é de que, quando o relógio
biológico não nos acorda, é porque, no fundo, não queremos acordar. Algum outro
instrumento instintivo que carregamos sem saber prevaleceu e neutralizou o
relógio.
É
fascinante essa ideia de que trazemos nos genes recursos, impulsos, fobias e
encargos dos quais não nos damos conta, como relógios embutidos ligados a
alguma fonte inimaginavelmente precisa de tempo certo. Somos portadores de
mensagens cifradas que não conhecemos, e não entenderíamos se conhecêssemos.
Há
uma teoria segundo a qual o pavor universal de cobras vem de um resquício do
passado reptiliano que ficou num dos cantos primitivos do nosso cérebro. E a
mais nobre e misteriosa missão que nossos genes realizam à nossa revelia é a de
trazer nosso DNA desde as origens da espécie humana até agora. Ninguém nos
contratou, mas nossa função no mundo é transportar DNA.
O
famoso biólogo darwinista Richard Dawkins deu um título poético a um dos seus
livros: River out of Eden. Tirado de Gênese 2:10 “E saía um rio do Éden para
regar o jardim, e dali se dividia”. O rio do Éden de Dawkins é de DNA, e passa
por todos nós.
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