17
de agosto de 2013 | N° 17525
CLÁUDIA
LAITANO
A exceção e a
regra
Há
uma alegria melancólica na celebração da honestidade de quem devolve um objeto
perdido. Percebe-se nessas notícias de tom edificante tanto o merecido
reconhecimento público ao pequeno herói, quanto a noção implícita de que gestos
como esses são considerados excepcionais, quase esdrúxulos, em um país como o
Brasil. Os meninos honestos, Lucas e o irmão Oseias, nos inspiram como
indivíduos, mas o fato de que sejam notícia por fazer o que é certo nos
envergonha como país.
Todos
gostaríamos de viver em um lugar em que devolver uma carteira não fosse
assunto, em que a desigualdade de oportunidades não fosse tão grande a ponto de
acreditarmos que quem tem pouco sempre está atrás da oportunidade de tirar
proveito da distração de quem tem mais. Somos um país desconfiado,
provavelmente porque desconfiamos da nossa própria capacidade de escapar da
sina maldita das grandes e pequenas corrupções cotidianas.
Não
existe bondade natural. Por natureza, somos egoístas, ambiciosos, mesquinhos
até. É a razão que nos torna seres morais, capazes de refletir sobre o que é
certo e o que é errado e de agir levando em conta outros interesses que não
apenas os nossos. E sereremos tão mais dedicados a essa reflexão permanente
quanto mais isso for percebido como um valor comum – e não como a exceção que
merece virar notícia.
Entender
por que um menino pobre devolve o que não é seu pode ser simples, e é o próprio
Lucas quem explica: “Eu fiz porque era o certo. Imaginei que a dona iria
precisar do dinheiro para pagar as contas, ir aos médicos”.
O
verdadeiro quebra-cabeça é entender como um juiz desvia toneladas de dinheiro
de uma obra sem jamais levar em conta a vergonha pública que poderia recair
sobre ele e a família se o roubo fosse descoberto – ou a constatação banal de
que aquilo não era certo. Devíamos nos dedicar seriamente a entender por que
aberrações morais desse tipo são tão frequentes e por que não nos sentimos
coletivamente envergonhados por elas.
No
início deste ano, fui convidada a conversar com os professores de uma escola
municipal de um bairro pobre de Porto Alegre. Saí de lá impressionada com o
carinho com que tratavam não apenas os alunos, mas o ambiente físico da escola
em que trabalhavam.
A
Escola Municipal Ana Íris do Amaral tem lindas paredes cobertas de arte, uma
pequena horta mantida por alunos e professores e aquela indefinível qualidade
dos lugares onde as pessoas se sentem bem. Ana Íris do Amaral é a escola onde o
menino Lucas Rosa estuda. E isso não explica tudo – mas diz muita coisa.
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