VINICIUS
TORRES FREIRE
Fé, esperança e
caridade
Governo
espera que baixadinha do dólar desestimule empresários a elevar preços
GENTE
DO GOVERNO ficou muito animada com o tombo do dólar na sexta-feira, cortesia do
plano do Banco Central de oferecer oxigênio a quem estiver com a língua de fora
por causa da desvalorização do real, o que por enquanto limita as oportunidades
de especulação.
Esse
pessoal do governo espera que, "com a volta de alguma racionalidade ao
mercado", as empresas brasileiras se sintam menos inclinadas a repassar a
alta de custos (devida ao dólar mais caro) aos preços de seus produtos. Uhm.
As
empresas já estão repassando a alta de custos para os preços, não é lá muito
segredo. Estão dizendo isso aos jornais. Está evidente nos índices de preços
(de inflação). Trata-se aqui do passado, de altas de custos derivadas dos
saltos do dólar da época das festas juninas, por assim dizer.
Por
que não o fariam de novo, repassariam os custos para preços, com essa nova
rodada de desvalorização? Porque a economia então estaria tão lerda que não
haveria como encontrar consumidor para os preços novos, é elementar.
Não
é difícil perceber que estamos numa situação "se correr o bicho pega, se
ficar o bicho come" no que diz respeito a inflação e juros. Afora
acidentes e efeitos de tumultos externos, a inflação será um tanto menor ou
subirá menos quanto mais lerda a economia, com o que a escalada dos juros em
tese seria menor; e vice-versa.
A
torcida do governo pela caridade empresarial corrobora a ideia de que o
controle da inflação neste "ano-calendário" foi meio para o vinagre.
Ora não há instrumento de política econômica (a não ser os doidivanas) capaz de
controlar o efeito do dólar ou de outras pressões sobre preços.
Isso
não quer dizer que a "inflação vai explodir". Quer dizer que a
inflação pode escorregar de, digamos, 6% para 6,6% ao ano em dezembro mesmo que
o governo e/ou Banco Central mexa direito os pauzinhos. A diferença em si mesma
não seria enfim grande coisa, fossem outros os tempos e o ambiente, mas haveria
um carnaval político.
A
meta de inflação estourada desmoralizaria ainda mais a política econômica do
governo e levaria a taxa de juros de volta a "dois dígitos", uma
frase besta, mas que daria pano para a manga, pouco importando que a situação
não estivesse muito melhor caso a Selic parasse em 9,75%. O ti-ti-ti do "descontrole
inflacionário" causaria mais desânimo na praça, talvez talhando mais uns
décimos de crescimento econômico pífio.
Resumo
da ópera, o governo conta com a sorte e com o pacote do Banco Central a fim um
tropeço adicional no curto prazo, que teria algum custo político-eleitoral.
Dado
o tamanho da confusão e de incerteza, de São Paulo a Nova York, não é
impossível que a alta dos juros americanos e, pois, a do dólar, deem para trás.
É apenas bem improvável.
Isto
posto, em vez de jogar suas fichas na mesa do cassino da finança e contar com a
caridade empresarial, por que o governo enfim não antecipa um programa de
política econômica mais racional? Sim, haveria custos, sociais e políticos.
Porém, dado o tamanho dos estragos atuais, talvez pouca gente percebesse a diferença.
Mas o governo acredita que o Brasil cresce 4% em 2014. Pode ser. É apenas bem
improvável.
vinit@uol.com.br
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