21
de agosto de 2013 | N° 17529
EDUARDO
VERAS
Na planta
Calhou
que a morte de León Ferrari se deu no exato momento em que Jorge Bergoglio – pela
primeira vez na condição de papa – visitava a América Latina. Certamente isso
contribuiu para que o artista argentino fosse lembrado, antes de tudo, pelo seu
apaixonado anticlericalismo.
Os
necrológios sublinharam que Ferrari, morto aos 92 anos, em Buenos Aires, vítima
de câncer, havia cultivado amplamente o desprezo pela Igreja, tanto em declarações
públicas (“Um horror!”, ele teria exclamado ao ser informado sobre a eleição de
Francisco, seu conterrâneo) quanto em sua obra. Mas talvez haja aí alguma
injustiça com o importante legado do artista.
Essa
vertente, que investia contra o poder em geral e contra a opressão católica em
particular, foi sempre das mais notórias na trajetória de Ferrari. Tornou-se célebre
a escultura, de 1965, em que a figura do Cristo aparecia crucificada a um
bombardeiro.
Também
repercutiram as imagens da Virgem e de outros santos emergindo de torradeiras
ou postadas sobre frigideiras, assim como as reproduções do Juízo Final de
Michelangelo forrando gaiolas de passarinhos. Aos tempos da grande
retrospectiva de Ferrari, em 2004, no Centro Cultural da Recoleta, a provocação
e o barulho que se seguiu a ela, com protestos liderados pelo então arcebispo
Bergoglio e ameaças de bomba, levaram ao fechamento da exposição.
Tudo
causou comoção e se inscreve entre a arte conceitual e contemporânea de matiz
mais político e iconoclasta. Corre-se o risco, porém, de restringir a isso a
criação de Ferrari, autor de sofisticadas esculturas de aço, explorando as
sobreposições de linhas, e de fascinantes alfabetos, frequentemente ilegíveis.
Particularmente,
meu Ferrari favorito é ainda outro: o das plantas-baixas. Nessa série de
trabalhos dos anos 80, ele mimetiza as plantas arquitetônicas tradicionais,
seja em suas convenções, seja nos meios empregados (letraset, cópia heliográfica),
para representar prédios ou cidades não idealizados, não desejáveis.
A
utopia de Ferrari corre em outro sentido: camas são instaladas no meio de
grandes salões, banheiros labirínticos concentram uma dezena de privadas em um
espaço mínimo e sem portas, carros não conseguem sair das garagens, autopistas
dão voltas sobre si mesmas.
Uma
série de incongruências paródicas e imaginárias vem lembrar – de forma menos
literal do que santos em vias de serem torrados ou liquidificados – dos avessos
a que o homem se submete na urbe contemporânea. Nesses labirintos, mais do que
encontrar a saída, interessa reconhecer o lugar (ridículo) em que a gente se
encontra.
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