WALCYR
CARRASCO
30/08/2013
21h27
Escravos cubanos
Se vêm
para trabalhar, os médicos não deveriam estar submetidos às leis brasileiras?
Meus
avós vieram da Espanha no início do século XX. Todos, por parte de pai e mãe. Foram
trabalhar em plantações de café e nunca mais voltaram para sua pátria original.
O Brasil se tornou sua pátria. Sempre brinquei comigo mesmo que poderia ter
nascido espanhol. Tenho, é claro, uma afinidade grande por esse país.
Até orgulho
da arquitetura espanhola, da arte, da literatura, do sucesso da gastronomia. Picasso,
afinal de contas, não era espanhol? Mas, quando meus avós desembarcaram,
imediatamente assumiram que este era seu país. Aqui viveriam, teriam seus
filhos, construiriam seu futuro.
Já observei
levas de imigração, inclusive para fora do país. Quando jovem, passei alguns
anos no exterior. Nos Estados Unidos, cruzei com muitos brasileiros que haviam
decidido se tornar americanos. Inclusive mudando de condição social. Estudantes
de classe média se tornavam garçons, motoristas de limusine. Um amigo
jornalista, casado com uma americana, foi trabalhar em telefonia, instalando
fios, aparelhos, sem a menor frustração. Todos agiram como meus avós: submeteram-se
às leis da nova pátria.
Tenho
um amigo brasileiro, que também tem nacionalidade belga. Vive parte do ano em
Paris. Exatamente cinco meses. Se ficar seis, ganha o direito de residência e,
consequentemente, a obrigação de pagar impostos. Não só do que ganhar lá, como
de suas rendas no Brasil. Foge da residência francesa que, no passado, foi símbolo
de status, mas hoje, em seu entender, lhe causaria um rombo financeiro.
Sempre
admirei meus avós pela coragem. Fico me perguntando: como alguém sobe num
navio, rumo a um país desconhecido, deixa a família, para um futuro incerto?
Italianos, japoneses fizeram isso. Judeus sobreviventes do Holocausto também
vieram para cá. Todos vivem ou viveram de acordo com as leis nacionais.
De
repente, levei um susto. Surge agora uma leva de imigrantes, os médicos
cubanos, que se mudam para cá, mas que não viverão sob as leis brasileiras? O
regime trabalhista nacional é severo. E, na minha opinião, antigo,
ultrapassado, porque não prevê situações que surgiram com a evolução da
sociedade. Tive uma amiga que era dona de um salão de beleza. Cabeleireiros e
manicures costumam ser uma espécie de associados do salão. O empresário monta a
estrutura. Os profissionais ganham uma boa percentagem por corte e por unhas,
de 40% a 60%.
Mas
a lei trabalhista não prevê esse tipo de situação. Depois de três meses, o
profissional passa a ter uma relação estável. E processa quando vai embora, em
cima de direitos sobre seus ganhos. Minha amiga levou uns três ou quatro
processos. Teve de fechar o salão. Há outras profissões em que acontece o mesmo.
A combinação é uma, mas depois de algum tempo é caracterizada a estabilidade, e
o empregador perde qualquer processo.
Os médicos
cubanos estão vindo sob outra lei. O salário deles será pago ao governo de Cuba.
E o governo repassará uma percentagem aos profissionais. Estrategicamente,
chamou-se de “bolsa”. Bolsa é algo que se oferece a estudantes que vão estudar,
fazer especialização, se aprimorar enfim. Os médicos vêm para trabalhar ou não?
É óbvio,
isso não é bolsa coisa nenhuma. É um truque semântico. Se vêm para trabalhar, não
deviam estar submetidos às leis brasileiras? O argumento é que Cuba já fez esse
acordo com outros países.
E
daí? O que eu, cidadão, que pago meus impostos, tenho a ver com isso? Nosso
governo resolveu ajudar financeiramente Cuba por meio dessa estratégia? Nosso
dinheiro está sobrando? Como, se sentimos falta de tudo: segurança, hospitais,
escolas? Pior que isso, se Cuba se acha no direito de vender seus cidadãos, nós,
brasileiros, devemos concordar? Os médicos que se danem?
Esses
médicos não formarão laços com o país, como meus avós fizeram. Estarão aqui de
passagem, pois suas famílias ficarão em território cubano (reféns?). Como
fincar raízes? Como amar seus pacientes, se dedicar, se não têm a dignidade de
receber seu salário diretamente, como qualquer um que trabalha e vive no
Brasil?
O
Ministério Público contesta a questão salarial na vinda dos médicos cubanos. Ainda
bem que temos um Ministério Público atuante. Mas como um governo democrático
aceitou uma coisa dessas? Eu pensava que a escravidão havia acabado. Constato
que os médicos cubanos se tornaram um novo tipo de escravo, vendido pelo seu país,
a quem aceita pagar.
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