sábado, 31 de agosto de 2013


31 de agosto de 2013 | N° 17539
CLÁUDIA LAITANO

Aspiracional

Publicitários sabem que não basta dizer que uma cerveja é boa ou que um banco vai cuidar bem do seu dinheiro. É preciso dizer isso de forma a seduzir o cliente em potencial – e para tanto deve-se oferecer mais do que uma simples informação. O que, em uma propaganda de banco ou cerveja, pode prometer mais do que um bom serviço ou uma boa bebida? É justamente essa a alma do negócio.

Não por acaso, é nesse ambiente do marketing e da propaganda que o termo “aspiracional” tornou-se mais comum. Levar em conta a “aspiração” de um determinado público é entender que você pode atingi-lo não apenas pelo que ele é, mas pelo que ele gostaria de ser.

Apesar de ter sido cooptado pelo universo do consumo, o termo se encaixa em aspectos da nossa vida que vão além da imagem que gostaríamos de passar comprando um determinado modelo de carro ou usando um determinado tipo de roupa.

Somos seres aspiracionais por excelência em quase todas as nossas escolhas: as pessoas por quem nos apaixonamos, a profissão que escolhemos, a escola em que matriculamos nossos filhos. Há em cada uma dessas decisões o componente não totalmente racional do desejo de atingirmos uma versão melhor e mais caprichada de nós mesmos, através da associação com pessoas, atividades ou instituições que admiramos.

Na última segunda-feira, no seminário Fronteiras do Pensamento, o filósofo australiano Peter Singer apresentou uma síntese de suas ideias sobre temas contemporâneos que colocam em xeque nossas convicções e nossa noção de responsabilidade. Poderíamos qualificar a ética prática de Singer como “aspiracional”.

Algumas das atitudes que ele propõe – doar parte do seu dinheiro para quem não tem nada, cuidar seriamente da saúde do planeta abrindo mão de alguns luxos ou evitar o sofrimento desnecessário de animais – parecem exóticas e extremas para a maioria das pessoas, o próprio filósofo admite. Mas se nem todos têm intenção de destinar 10% da sua renda para diminuir a miséria do mundo ou cogitam abrir mão do churrasco de domingo, apenas o exercício de pensar sobre isso talvez seja capaz de ampliar o “aspiracional moral” que nos serve de referência.


Um dos méritos da ética pragmática de Peter Singer é o de propor que cada um reflita seriamente sobre o que considera uma vida boa e justa e o que tem feito para atingi-la. Quem não faz esse exercício com alguma frequência sempre corre o risco de acomodar-se no extremo oposto – encontrando argumentos cada vez melhores e mais sensatos para ser e fazer muito menos do que aquilo que seria apenas o mínimo.

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