01
de setembro de 2013 | N° 17540
MARTHA
MEDEIROS
Meu coração em tuas mãos
Não é
porque ele foi grosseiro comigo que eu tinha que ser grosseira com ele também,
mas fiz, está feito, agora acabou, solidão pra sempre é o que me espera, assim
como aquela dívida maldita que só aumenta, meus credores não têm nenhuma
compaixão, vou ter que vender meu carro para pagá-la, e essa tosse insistente só
pode significar que estou condenada, sem falar que minha filha ainda não voltou
da festa, pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, como está
quente nesse quarto, eu nunca mais vou conseguir dormir, nunca mais, vou
acordar com olheiras até o queixo, sou uma miserável que... zzzzzz.
E
então você acorda, abre as cortinas da janela, e recebe um telefonema do seu
amor reconhecendo que andou abusando da sua paciência e que está morrendo de
saudades, e entra um trabalho freelancer que ajudará a pagar a conta atrasada,
e a tosse passa com Melagrião, e a filha está dormindo feito um anjo no quarto
ao lado, e as suas olheiras estão aparentes mesmo, mas nada que um corretivo não
disfarce. Olhe só, suas preocupações ficaram desse tamanhozinho, de quem foi a
mágica?
Do
primeiro raio de sol. Durante o dia, nossa cabeça pensa melhor e as soluções
aparecem no decorrer das horas. A mente ajusta o foco e não dá trela a
fantasmas. Já a madrugada não conhece a palavra sanidade.
A
escuridão e o silêncio transformam pequenas chateações em dramas diabólicos, e
a gente cai nessa cilada, achando mesmo que estamos lidando com o pior da vida.
Mas que vida? Hipercansados, ansiosos, deprimidos, paranoicos, isso é vida? A
insônia desperta em nós a morte, isso sim. Ficamos todos ferrados não pela
falta de sono, mas pelo excesso de dilemas. Como disse Dostoievski, ser
extremamente consciente é uma doença. A gente morre por pensar demais. E pensar
é só o que nos resta durante uma insônia.
Mas é
possível controlar esses pensamentos malditos.
Em
vez de permitir que o cérebro maximize nossos problemas, o melhor seria
transformar nossa miséria noturna em algo produtivo. Porém, nem todos conseguem
levantar da cama – ainda mais no inverno – a fim de guerrear com seus demônios.
Até porque sempre há a esperança de se conseguir dormir pelo menos por uma ou
duas horas, o que não acontecerá no caso de acendermos as luzes para pintarmos
quadros, escrevermos poemas, fritarmos omeletes, cortarmos o próprio cabelo – ai,
não corte o cabelo às quatro da manhã, vá por mim.
Posso
fazer uma sugestão? Sem precisar levantar, sem acender a luz, jogue “stop” mentalmente
com você mesmo. Países: a, Alemanha; b, Bélgica; c, Canadá; d, Dinamarca... Há grande
chance de, antes de chegar no p, Portugal, você já ter adormecido. Se não, siga
com o jogo, fazendo seu a-b-c para títulos de livros, comidas, profissões, ruas
da cidade. O truque é simples: trocar de preocupação. Ou você prefere continuar
fazendo o a-b-c das doenças que poderá contrair ou das pessoas a quem já magoou?
Parece
bobagem, e é, mas quase sempre funciona. Jogue “stop” noturno com você mesmo, e
stop a insônia.
2 comentários:
Acredito que houve um erro no título da crônica porque é o mesmo título da crônica de Fabrício Carpinejar.
Título correto: As paranoias da noite
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