MARCELO
LEITE DE SÃO PAULO
Técnica mede consciência em pacientes
com dano cerebral
Trabalho
de físico gaúcho permite separar estado vegetativo e consciente
Método
é baseado na avaliação da complexidade da resposta cerebral a um estímulo dos
neurônios
Imagine
a aflição do jornalista francês Jean-Dominique Bauby ao acordar, após 20 dias
em coma, e descobrir-se todo paralisado --com exceção da pálpebra esquerda. Não
haveria outro meio, sem o bater da pálpebra, de estabelecer se ele estava
consciente ou não. Mas isso pode mudar, graças ao trabalho de um físico
brasileiro publicado hoje na revista "Science Translational Medicine".
Foi
do gaúcho Adenauer Girardi Casali, 35, a ideia que levou a um novo método para
medir o nível de consciência de pessoas com dano cerebral grave, como Bauby. Mediado
só por aparelhos, ele independe de movimentos do paciente e de sua interpretação
pelo médico.
Em
outras palavras, a invenção do grupo de Marcello Massimini na Universidade de
Milão, onde Casali fez doutorado, abre uma janela para espiar o cérebro preso
no escafandro, como Bauby descreveu a síndrome no livro "O Escafandro e a
Borboleta".
Não é
trivial determinar se uma pessoa se encontra em estado vegetativo permanente,
se tem um nível mínimo de consciência ou se está consciente e só não consegue
responder. Nada menos que 68% dos que se mantêm no nível mínimo recuperam a
consciência em um ano.
Uma
equipe da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, afirma "conversar"
com pacientes usando ressonância magnética funcional, que registra áreas em
atividade no cérebro. Fazem perguntas, registram imagens da atividade cerebral
e comparam com as de pessoas normais.
O
teste de Massimini e Casali dispensa essa interação. "É entusiasmante
trabalhar com coisas que podem ajudar pessoas assim", conta o brasileiro. Mas
ele ressalva que a inovação ainda precisa ser validada com mais pessoas.
Batizado
de PCI (índice perturbacional de complexidade), o método pode ser comparado com
um radar.
Pulsos
de ondas magnéticas são aplicados numa área de 10 cm² da cabeça --a "perturbação".
Um eletroencefalograma mapeia então o que acontece no córtex cerebral.
O método
matemático de Casali comprime os sinais dessa resposta cerebral e extrai deles
um valor da quantidade de informação envolvida (o PCI), que depende do número,
das áreas e da maneira como os neurônios "disparam". O PCI capta,
assim, a complexidade da conversa entre as regiões do cérebro.
SINFONIA
CEREBRAL
O
conceito-chave é o de complexidade. Ele parte da noção de que a consciência se
baseia em dois fatores: diferenciação (padrões variados de disparo) e integração
(duração e quantidade de comunicação entre as partes ativadas do cérebro).
Pense
numa sinfonia. O cérebro inconsciente seria como as passagens em que poucos
instrumentos tocam uma só melodia, simples. A consciência corresponderia aos
trechos em que toda a orquestra produz sequências diferentes de notas, porém
sob a batuta do regente.
Até aqui,
havia meios experimentais de sondar o nível de consciência captando uma coisa
ou outra, não as duas simultaneamente.
Dos 52
participantes do estudo de Massimini e Casali, 32 eram pessoas saudáveis. Seus
PCIs foram medidos quando estavam acordadas, dormindo e inconscientes após
anestesia. Os outros 20 tinham dano cerebral e diferentes níveis de consciência.
A
comparação mostrou que o PCI discrimina os estados, do vegetativo profundo à vigília,
e torna possível dizer se o córtex mantém o grau de diferenciação e integração
necessários para que o cérebro volte a abrigar a consciência --e, portanto,
ajustar o tratamento em função do prognóstico.
Além
da validação do método por mais equipes, será preciso acomodar os aparelhos
usados para gerar o PCI num console que caiba numa UTI. "Hoje é um
trambolhão", diz Casali. O grupo trabalha em protótipos com a empresa
finlandesa Nexstim.
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