30
de agosto de 2013 | N° 17538
DAVID
COIMBRA
Seis dias sem
sol
Queria
ser um madrugador. Acordar com o chilrear dos pintassilgos, quando toda a
cidade ainda dorme. E, por favor, não me venha um conhecedor de pássaros dizer
que os pintassilgos não chilreiam nas árvores de Porto Alegre, não destrocem a
minha fantasia.
Então.
Os pintassilgos chilreiam e acordo bem disposto. Ligo o radinho de pilha, vou
para a cozinha e preparo o mate. Sorvo o mate devagar, à mesa da cozinha, de
frente para a janela, olhando para a linha do horizonte que vai clareando aos
poucos.
Alguém
um dia disse que o mate ajuda o gaúcho a pensar. Gosto disso. Imagino-me
tomando mate e pensando no mundo e balançando a cabeça lentamente depois de ter
chegado a alguma conclusão inteligente sobre a existência.
Sei
que, no meu caso, o mais difícil é chegar a alguma conclusão inteligente sobre
a existência, mas me contento com o mate e o olhar no vazio e o chilrear dos
pintassilgos e o som do radinho de pilha. Uma manhã calma. Contento-me com uma
manhã calma.
Mas
o fato é que não sou um madrugador. Hoje em dia, devido às responsabilidades,
malditas responsabilidades, até acordo relativamente cedo, só que nunca,
jamais!, com o chilrear dos pintassilgos, quando toda a cidade ainda dorme, e
muito menos em dias como esses que enfrentamos há pouco aqui na cunha
meridional do Brasil: seis dias inteiros sem que o sol aparecesse.
Que
fique registrado, imortalizado em papel: durante seis dias de agosto de 2013, o
sol não apareceu no sul do Brasil. As pessoas se lembram do que faziam quando
dois aviões despedaçaram as Torres Gêmeas ou quando foi posto abaixo o Muro de
Berlim, pois eu lembrarei para sempre que, em agosto de 2013, o sol não
iluminou Porto Alegre durante seis dias inteiros.
Seis
dias inteiros.
Por
isso, ao ler as previsões do tempo e saber que o sol, enfim, voltaria a luzir
sobre a cidade nesta semana, decidi: neste dia da volta do sol, vou acordar com
os pássaros e tomar mate e fruir a manhã. Vou ser, por um dia, o madrugador que
sempre quis ser.
E
foi o que fiz. Na quarta-feira, bem cedo, fazia muito frio e eu já estava de
pé. Fui para a cozinha. Liguei o rádio. Preparei o mate.
A
manhã estava silenciosa; o ar, fino. Sentei-me à mesa da cozinha e olhei para a
janela. Não pensava em nada, apenas olhava. E lá adiante, no horizonte, ele, o
sol, surgiu depois de tanto tempo. Foi-se erguendo e iluminou o céu, fez abrir
o dia e, sim, os passarinhos cantaram e, só por isso, fiquei feliz.
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