29
de agosto de 2013 | N° 17537
EDITORIAIS
ZH
LIBERDADE
CERCEADA
Foi
numa típica prensa inglesa, em Londres, que o brasileiro Hipólito José da Costa
imprimiu, em 1º de junho de 1808, o primeiro número do jornal Correio
Braziliense. A publicação passou à história como pioneira da imprensa
independente no Brasil. O estatuto colonial proibia Hipólito José da Costa,
assim como qualquer habitante do Brasil, de publicar livros ou jornais sua
simples posse poderia resultar em processo penal.
A
Grã-Bretanha assegurou-lhe, na condição de estrangeiro naturalizado, um direito
elementar: o de fazer um jornal sem ter de pedir licença a autoridade civil ou
eclesiástica. Em retribuição, o brasileiro traduziu para o português e publicou
Areo-pagítica, clássico panfleto do poeta inglês John Milton em defesa da
liberdade de imprensa.
Por
certo, essa curiosidade histórica de um tempo em que a Grã-Bretanha dava lições
de liberade de imprensa ao mundo é ignorada pelos responsáveis pela detenção do
brasileiro David Miranda, no último dia 18 de agosto, no aeroporto londrino de
Heathrow.
A
operação foi motivada pelo fato de Miranda portar informações para o
companheiro Glenn Greenwald, jornalista americano que publicou no jornal The
Guardian revelações sobre o polêmico programa de vigilância Prism, pelo qual o
governo americano espiona milhões de cidadãos. Essa circunstância mostra que,
mesmo na pátria de Milton, a liberdade de imprensa corre riscos ainda hoje, 369
anos depois de o parlamento britânico ter recebido o primeiro exemplar de sua
obra.
Infelizmente,
a detenção de David Miranda na Inglaterra é apenas mais um caso entre ações
igualmente graves, no Brasil e em outros países, contra a liberdade de informar
e ser informado. Na esteira da luta iniciada por Hipólito José da Costa, a
Constituição de 1988 garante liberdade de expressão e de imprensa como direito
fundamental, mas mesmo essa garantia é ignorada por juízes de primeiro grau que
insistem, em todo o país, em conceder liminares com efeitos que lembram os que
obrigaram o Correio Braziliense a ser impresso no Exterior.
O
mais recente caso é o que impede a Gazeta do Povo, do Paraná, de publicar
informações sobre investigações envolvendo o presidente do Tribunal de Justiça
do Estado, Clayton Camargo. Episódios semelhantes têm sido ainda mais comuns em
países como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador. À sua maneira, todos esses
casos estão relacionados ao direito de qualquer um ter acesso a informação
livre. Nem mesmo a multiplicação de plataformas de mídia tem conseguido
garantir a universalização dessa prerrogativa.
Instituições
de defesa das liberdades têm redobrado esforços para deter os sinais cada vez
mais comuns de retrocesso. Esse é o tipo de luta que precisa ser assumida por
todos. Cabe, a esse respeito, citar Milton: “Uma coisa sei, e é que erros em um
bom governo e em outro mau são quase igualmente possíveis; pois, que magistrado
não andará mal de informação (...) se a liberdade das prensas fica restringida
a privilégio de uns poucos?”
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