sábado, 17 de agosto de 2013

WALCYR CARRASCO
16/08/2013 21h00

Veneno na web

Há um grupo cujo objetivo é fazer piada sobre tudo – até a vida íntima. Também já fui vítima deles

Fui a primeira pessoa das minhas relações a comprar computador, há uns 30 anos. Eram uns caixotões, verdadeiros trambolhos, protegidos pelas absurdas leis de reserva de mercado da época. Também me apaixonei pela internet logo que ela surgiu.

Devo ter deixado de escrever grandes romances, com o tempo gasto em papos que se estendiam noite adentro. É por isso mesmo que agora me surpreendo com como ela se transformou. Mais que isso, me choco. É uma terra de ninguém, onde todo mundo se sente no direito de atacar quem quer que seja. É difícil para mim dizer isso, porque sempre fui – e continuo – a favor da liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, é assustador o número de notícias falsas que circulam.

Boa parte do que dizem sobre minha novela nem sequer passou pela minha cabeça. Alguém inventa, publica. Os inúmeros sites, blogs, repercutem. E o que foi inventado parece verdade. Às vezes, é uma notícia boba, sobre o destino de algum personagem. Outras, são comentários de teor pessoal, agressivos, sobre mim, os diretores e atores. No Twitter, isso é comum. Antes eu respondia. Mas o autor da agressão quer justamente isso, uma resposta. Para ganhar seguidores e, de certa maneira, tornar-se famoso.

Há um grupo de venenosos cujo objetivo é fazer piadas sobre tudo, inclusive a vida íntima das pessoas. Atores flagrados nus diante das câmeras de bate-papo já se tornaram comuns. Tudo bem, um ator que fica pelado numa conversa com alguém desconhecido, do outro lado da câmera, está fazendo bobagem. Deveria ser mais esperto. Por outro lado, a má intenção é evidente: expor a pessoa. Há algum tempo, vários atores foram pegos no truque.

Uma mulher belíssima, que mais tarde descobriu-se ser uma atriz de filme pornô americano, editada, simulava uma conversa erótica com o rapaz. Depois de capturar vários incautos, passou-se à segunda fase do plano: a exigência de um depósito de R$ 50 mil em determinada conta. Soube, em particular, que vários famosos pagaram. Outros passaram pelo vexame de ser vistos com a mão lá, fazendo aquilo que vocês sabem. Nesses casos, até o tamanho do atributo do famoso torna-se discussão na web.

Mentiras são comuns. Há alguns anos, descobri um depoimento de alguém que garantia me conhecer, afirmando que eu consumia drogas. Quem me conhece sabe que não consumo. Por alguma característica pessoal, sou o tipo de cara que não se vicia. Nem álcool bebo com frequência. Às vezes um bom vinho, mas só. Em drogas, não tenho interesse.

Tenho até uma atitude liberal a respeito, acredito que a política repressiva não funciona. Mas alguém afirmava que eu era junkie total. O mentiroso usava pseudônimo. Nunca pude descobrir quem foi. O comentário repercutiu na minha vida. Mais tarde, um amigo revelou ter se afastado por descobrir que eu usava drogas. Tinha visto a informação no mesmo site.

Casos de bullying entre adolescentes são comuns. Meninas são expostas, depois de flagradas despidas pelas câmeras dos amigos. Dramas familiares e depressão se tornaram frutos diretos desse veneno via web. Como já contei, formou-se um largo campo para a chantagem.

Uma garota de programa me contou. Há um truque usado por muitas profissionais. O cliente fica à vontade. Sem que ele perceba, a garota deixa o celular gravando, já estrategicamente posicionado. Mais tarde, ameaça colocar o vídeo na internet. Que homem se recusa a pagar? Ainda mais se for casado. E se ele não paga? Não é difícil retirar um vídeo desses de um site sério. Mas ele já pode ter sido passado adiante. Repercute. O que era íntimo torna-se público.

É maravilhoso fazer amigos pela internet. Encontrar antigos conhecidos, colegas de infância. Manter contato com quem não se pode ver sempre. Mas a maldade me assusta. Não tenho uma solução para o problema, mesmo porque sou contra qualquer tipo de restrição. Quando se limita a expressão, mesmo com boa intenção, há o risco de criar um novo mecanismo de censura. Muita gente discute o futuro do jornalismo. Acredito que ele tem seu espaço garantido na internet e no futuro, pois só o bom jornalismo oferece informações confiáveis, pesquisadas e checadas.


O problema é que as pessoas gostam de maldades. Ler uma notícia fantasiosa sobre alguém famoso, ou mesmo sobre uma pessoa comum, dá uma falsa sensação de intimidade. E, na constelação da internet, o veneno está em expansão.

Nenhum comentário: