WALCYR
CARRASCO
16/08/2013
21h00
Veneno na web
Há
um grupo cujo objetivo é fazer piada sobre tudo – até a vida íntima. Também já
fui vítima deles
Fui
a primeira pessoa das minhas relações a comprar computador, há uns 30 anos.
Eram uns caixotões, verdadeiros trambolhos, protegidos pelas absurdas leis de
reserva de mercado da época. Também me apaixonei pela internet logo que ela
surgiu.
Devo
ter deixado de escrever grandes romances, com o tempo gasto em papos que se
estendiam noite adentro. É por isso mesmo que agora me surpreendo com como ela
se transformou. Mais que isso, me choco. É uma terra de ninguém, onde todo
mundo se sente no direito de atacar quem quer que seja. É difícil para mim
dizer isso, porque sempre fui – e continuo – a favor da liberdade de expressão.
Ao mesmo tempo, é assustador o número de notícias falsas que circulam.
Boa
parte do que dizem sobre minha novela nem sequer passou pela minha cabeça.
Alguém inventa, publica. Os inúmeros sites, blogs, repercutem. E o que foi
inventado parece verdade. Às vezes, é uma notícia boba, sobre o destino de
algum personagem. Outras, são comentários de teor pessoal, agressivos, sobre
mim, os diretores e atores. No Twitter, isso é comum. Antes eu respondia. Mas o
autor da agressão quer justamente isso, uma resposta. Para ganhar seguidores e,
de certa maneira, tornar-se famoso.
Há
um grupo de venenosos cujo objetivo é fazer piadas sobre tudo, inclusive a vida
íntima das pessoas. Atores flagrados nus diante das câmeras de bate-papo já se tornaram
comuns. Tudo bem, um ator que fica pelado numa conversa com alguém
desconhecido, do outro lado da câmera, está fazendo bobagem. Deveria ser mais
esperto. Por outro lado, a má intenção é evidente: expor a pessoa. Há algum
tempo, vários atores foram pegos no truque.
Uma
mulher belíssima, que mais tarde descobriu-se ser uma atriz de filme pornô
americano, editada, simulava uma conversa erótica com o rapaz. Depois de
capturar vários incautos, passou-se à segunda fase do plano: a exigência de um
depósito de R$ 50 mil em determinada conta. Soube, em particular, que vários
famosos pagaram. Outros passaram pelo vexame de ser vistos com a mão lá,
fazendo aquilo que vocês sabem. Nesses casos, até o tamanho do atributo do
famoso torna-se discussão na web.
Mentiras
são comuns. Há alguns anos, descobri um depoimento de alguém que garantia me
conhecer, afirmando que eu consumia drogas. Quem me conhece sabe que não
consumo. Por alguma característica pessoal, sou o tipo de cara que não se
vicia. Nem álcool bebo com frequência. Às vezes um bom vinho, mas só. Em
drogas, não tenho interesse.
Tenho
até uma atitude liberal a respeito, acredito que a política repressiva não
funciona. Mas alguém afirmava que eu era junkie total. O mentiroso usava
pseudônimo. Nunca pude descobrir quem foi. O comentário repercutiu na minha
vida. Mais tarde, um amigo revelou ter se afastado por descobrir que eu usava
drogas. Tinha visto a informação no mesmo site.
Casos
de bullying entre adolescentes são comuns. Meninas são expostas, depois de
flagradas despidas pelas câmeras dos amigos. Dramas familiares e depressão se
tornaram frutos diretos desse veneno via web. Como já contei, formou-se um
largo campo para a chantagem.
Uma
garota de programa me contou. Há um truque usado por muitas profissionais. O
cliente fica à vontade. Sem que ele perceba, a garota deixa o celular gravando,
já estrategicamente posicionado. Mais tarde, ameaça colocar o vídeo na
internet. Que homem se recusa a pagar? Ainda mais se for casado. E se ele não
paga? Não é difícil retirar um vídeo desses de um site sério. Mas ele já pode
ter sido passado adiante. Repercute. O que era íntimo torna-se público.
É
maravilhoso fazer amigos pela internet. Encontrar antigos conhecidos, colegas
de infância. Manter contato com quem não se pode ver sempre. Mas a maldade me
assusta. Não tenho uma solução para o problema, mesmo porque sou contra
qualquer tipo de restrição. Quando se limita a expressão, mesmo com boa
intenção, há o risco de criar um novo mecanismo de censura. Muita gente discute
o futuro do jornalismo. Acredito que ele tem seu espaço garantido na internet e
no futuro, pois só o bom jornalismo oferece informações confiáveis, pesquisadas
e checadas.
O
problema é que as pessoas gostam de maldades. Ler uma notícia fantasiosa sobre
alguém famoso, ou mesmo sobre uma pessoa comum, dá uma falsa sensação de
intimidade. E, na constelação da internet, o veneno está em expansão.
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