POR
JULIANA DORETTO *, LISBOA
11/08/2013
10h21 - Atualizado em 14/08/2013 12h27
O melhor lugar do mundo
Taxista
no Porto esquece a crise e só tem superlativos para expressar o orgulho e o
amor por seu país
A
cidade do Porto, em Portugal, tem encantos mil. Não são assim as cidades que
amamos? (Foto: Divulgação / Câmara Municipal do Porto)
Moro
em Lisboa. E por aqui ficarei até o fim do meu doutorado (que está longe do término...).
Na semana passada conheci o Porto, a segunda cidade mais importante do país, ao
norte. Caminhadas encantadoras pelo centro; inebriantes taças do vinho que leva
o nome da cidade; vistas fantásticas do rio Douro. Porém, não é sobre isso que
falarei aqui. Meu tema é o táxi que me levou do hotel à estação de trem - ou
melhor, o taxista, e seu orgulho de ser português.
A
corrida não levou mais que 20 minutos. Mas foram suficientes para eu saber que:
o maior órgão de igreja da península Ibérica fica em Portugal; o lugar mais
bonito do mundo é uma capela escavada na rocha na região de Braga, próxima ao
Porto; o melhor compositor contemporâneo de música erudita, um dos maiores de
todos os tempos, é um amigo do nosso condutor, sujeito desvalorizado em
Portugal, por perseguições políticas; e que teria de voltar àquela parte do país
e lá ficar alguns meses, porque eu não tinha visto quase nada...
Saí do
carro com sorriso largo, achando, ao mesmo tempo, engraçada e ingênua a
supervalorização do lugar praticada por aquele motorista de praça lusitano. Passados
uns dias, costurei as falas do taxista à crise de Portugal e aos protestos que
ocorrem no Brasil.
A
partir dessa mistura, deixei de lado o aspecto caricato do discurso daquele
português para admirar seu amor por sua terra, por seus amigos.
Não
faz muito tempo, ouvi alguns comentários de adolescentes depreciando seu país,
quando um grupo de turistas passou por eles: “Com tantos lugares para visitar,
eles decidem vir logo a Portugal”.
Num
cenário de crise econômica intensa, cortes em políticas sociais e desemprego
elevado, não espanta a pouca estima daqueles jovens pelo país em que nasceram. Surpreende,
isso sim, que o meu condutor não tenha entrado na corrente e tenha dito
palavras e mais palavras para convencer esta brasileira que vos fala de que o
norte de Portugal é o melhor ponto turístico do universo. Confesso: fiquei curiosa
para visitar a tal igreja na pedra...
Alinhavo
tudo isso aos incontornáveis protestos que se espalharam pelo Brasil nos últimos
dias. Não repetirei as críticas ao vandalismo e ao despreparo da polícia nem
falarei da falta de transparência dos governos ao não dizer de onde sairá o
dinheiro para repor as perdas com o congelamento das tarifas do transporte público.
Mas
a infinidade de faixas e bandeiras com verde e amarelo captada nas fotos das
manifestações ou nas imagens de capa do Facebook me fez pensar no patriotismo
do taxista português. Talvez ele nunca tenha ido às ruas reclamar contra as
medidas austeras do governo, mas, naquele seu discurso de amor ao seu pedaço de
chão, que estimulava o turismo e, por consequência, o investimento em sua região,
ele fazia muito por seu país endividado.
É extremamente
bonito ver multidões ocupando as ruas, cantando o hino nacional e carregando as
cores da pátria. Será ainda mais bonito se, desse caldo de inconformismo, saírem
movimentos organizados e bem articulados, lutando pelas vias do Estado democrático
para mudanças no cenário social do país.
Ou
que venham, como herança, escolhas mais conscientes nas eleições futuras. No
entanto, também ficarei feliz se encontrar outros tantos brasileiros, como
aquele motorista de táxi, que buscam suas próprias formas de valorizar e fazer
crescer o chão ao qual pertencem. Gritar nas ruas é importante; falar baixo no
cotidiano, nas atividades mais comuns, vale tanto ou mais que um grito de ordem.
*
Juliana Doretto, jornalista, vive no momento em Portugal
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